Nenhum homem é uma ilha, escreveu John Donne. Pois as
diferentes áreas do saber também não devem ser ilhas. A insularidade
intelectual não tem cabimento nos tempos actuais quando vivemos em sistemas
abertos e extremamente voláteis.
No mapa mundi do conhecimento, vermos nitidamente
determinada geografia mas olharmos para o lado e vermos tudo escuro é
potencialmente das situações mais perigosas em termos de tomada de decisão e
interacção com os diversos agentes do ecossistema laboral, pois essa nitidez
afunilada trará falsa confiança (e até arrogância) à nossa leitura de
determinada situação. Essa escuridão são os limites do nosso conhecimento.
Aqui, digo: entra depressa nessa noite escura – só assim conseguiremos alargar
o nosso mapa. Todos os elementos estão ligados entre si, afectando e sendo
afectados, formando a grande rede de conhecimento. A tendência de
compartimentarmos as diferentes áreas pode enevoar a nossa noção de
interdependência das mesmas. Nada é sozinho, tudo é sistémico.
Quem quiser seguir o caminho da especialização (estrita)
que o faça consciente de que se está a enfraquecer e que se tornará, isso sim,
um especialista em tomar más decisões e não propriamente um especialista na área
em que se decidiu isolar. Nada é sozinho, tudo é sistémico.
Tirar, por exemplo, uma licenciatura em Marketing e
depois um mestrado em Marketing é das decisões mais absurdas que se pode tomar
porque não irá acrescentar novas competências e noções às suas capacidades e
acabará por cair na armadilha da nitidez afunilada. Se os títulos académicos
forem frequentados na mesma instituição de ensino então deliberadamente
oficializam a estagnação. Cada instituição de ensino tem o seu próprio mindset,
a sua maneira de interagir com o conhecimento e com o mundo. Quanto mais essa
idiossincrasia for diferente da nossa, maior é o crescimento profissional. Não
há que temer o contraste, antes pelo contrário. Além do mais, em qualquer
conjunto de pessoas (empresas, escolas, associações, grupo de amigos, et
cetera) criam-se vícios que são indetectáveis aos «insiders». Dinâmicas que se
cristalizam dentro de cada sistema e que tipicamente são anti-benéficos, ou até
mesmo maléficos, sendo muito difícil ganhar-se consciência delas. Estes vícios
são inerentes a qualquer sistema social, é possível fazer-se frente a eles mas
são como ervas daninhas que, de x em x tempo, acabam sempre por voltar. O
truque é mudar o contexto com regularidade.
Fazê-lo (repetir a área de formação) sob o desígnio de
seguir a carreira académica desembocará a média prazo (quando estiverem a
leccionar as suas unidades curriculares) em mais iatrogenia no ensino em
Portugal. A empatia (cuja Psicologia define como a capacidade de compreender a
perspectiva psicológica do outro) é fundamental para exercer qualquer actividade
de forma integrada e realmente proveitosa para sociedade. A melhor maneira
será, certamente, a de compreender a perspectiva do outro através da formação
em áreas diferentes do background de base. O truque é mudar o contexto com
regularidade.
Quem quiser fortalecer-se profissionalmente (entre as
várias consequências deste fortalecimento a mais tangível será provavelmente a
progressão na carreira), mude de cargo, mude de departamento, mude de área,
mesmo que seja temporariamente, o regresso será robusto. O saldo entre o tempo
em que não esteve a ganhar a experiência no seu antigo trabalho e o
desenvolvimento de aptidões e noções da nova área é sempre positivo*. O
cruzamento das perspectivas das diferentes áreas engrandece a nossa capacidade
de trabalho e o nosso output. Na qualidade de pessoa não formada na área da
medicina, creio que esta ideia de «cruzamento» poderá estar ligada ao facto de
não ser o número de neurónios que determina os nossos dotes cerebrais mas sim o
número de ligações (sinapses) entre eles. O cruzamento de perspectivas melhora
o resultado.
Num plano mais macro, a teoria de David Ricardo (luso
descendente), sobre a especialização, é perigosa porque deixa os países
altamente vulneráveis a mudanças de circunstâncias. Se as pessoas deixarem de
consumir vinho (não pensem que este cenário é assim tão improvável, basta
observar o comportamento dos consumidores ao longo dos tempos) ou se surgir
outra praga, cujo impacto seja semelhante ou maior que o da filoxera, Portugal,
caso tivesse depositado todos os seus esforços nesta especialização, ficaria
devastado e sem armas para se defender ou, usando uma linguagem na linha do
contexto, sem vantagens competitivas. Isto é válido também para regiões. O
turismo em Sintra tem vindo a crescer fortemente e ainda há muito potencial
para ser aproveitado. Se a Câmara Municipal de Sintra apostar exclusivamente no
sector do turismo e este sofrer uma quebra, a economia da região quebrará com
ele. O ecletismo combate a dependência.
Individualmente, ser ecléctico estimula-nos a explorar
diferentes caminhos. Cada caminho trabalha-nos de forma única mas o seu
desenvolvimento espalha-se sobre os demais. Esta é a linha de pensamento que
tem vindo a ser desenvolvida até aqui. Mas o outro aspecto benéfico do ecletismo
advém da criação de uma diversidade de caminhos que resulta em menor
vulnerabilidade caso as coisas não corram bem num deles. O ecletismo combate a
dependência.
Num plano menos profissional, creio que uma actividade
saudável para sairmos da nossa ilha passa por nos relacionarmos com todo o tipo
de pessoas – todo o tipo. Sejam curiosos, façam perguntas, e liguem a escuta
activa. Isto ajuda-nos a ver como essas pessoas (que têm diferentes percursos
de vida) captam, de forma diferente, a mesma realidade. Não fiquem
introvertidos por irem a festas em que só conhecem o aniversariante (mas
preparem uma desculpa de salvaguarda caso não estejam a divertir-se muito – o
que acontecerá muito menos vezes daquilo que expectavam), são oportunidades
formidáveis para privarmos com pessoas de backgrounds bastante diferentes do
dos nossos círculos de amigos. O cruzamento de perspectivas melhora o
resultado.
* ”Sempre?! Mas
quem és tu para falares com essa convicção?!? Meu zé-ninguém sem experiência!”
– Anónimo com experiência profissional mas que provavelmente sofre de nitidez
afunilada.
Resposta: Procura
olhar para o conteúdo da ideia e não para o cargo ou status da pessoa.
Estilo de rima emparelhado:
A – Nada é sozinho, tudo é sistémico
A – Nada é sozinho, tudo é sistémico
B – O truque é mudar o contexto com regularidade
B – O truque é mudar o contexto com regularidade
Estilo de rima interpolado
A – O cruzamento de perspectivas melhora o resultado
B – O ecletismo combate a dependência
B – O ecletismo combate a dependência
A – O cruzamento de perspectivas melhora o resultado
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