Tenho saudades do Tó Pê.
Só o costumava ver duas ou três vezes por ano, quando cá vinha cheio
de saudades das coisas simples que Fontanelas tem. Revia a família, os amigos e
“carregava baterias”. Quando chegava, independentemente da hora, tinha um
ritual há tantos anos quantos estava no estrangeiro. Antes de ir para casa da
mãe, ia regalar as vistas e tomar um banho de maresia e de mar à Praia da
Aguda. Tinha, obrigatoriamente, que sentir a Praia da Aguda.
Não era mau diabo, antes pelo contrário. Se existia alguém com valores
morais, pessoais e filosóficos, era o Tó Pê.
O Tó Pê nasceu em Fontanelas no início da década de 60 e foi um dos símbolos
dessa geração. Faleceu prematuramente muito novo, na casa onde cresceu, em casa
da mãe. António Pedro Borlido, de alcunha o Tó Pê, depressa seguiu as pisadas
do seu falecido pai na descoberta do mundo além-fronteiras. Do avô António
Pedreiro herdou a veia comunista, por si próprio desenvolveu a contestação, a
irreverência, o sentido revolucionário, o que lhe valeu alguns dissabores na
sociedade Fontanelense, à data ainda muito pouco tolerante em relação à
diferença. Numa aldeia como Fontanelas, sob muitos aspectos fechada, o
aconchego a alegados valores morais, religiosos e bafientos “bons costumes”, toldam
a visão e escamoteiam a evolução, inevitável e irreversível.
Tinha vontade de ser diferente, de fazer o que as suas crenças lhe
ditavam, de ter a liberdade que achava que devia ter. O Tó Pê era único. Numas
das nossas últimas conversas, no bar do Janeca em 2007, o Tó Pê estava feliz,
tinha os filhos na boa, a estudar e a trabalhar, na sua vida pessoal fazia o
que queria, estava ligado à dança e andava a aprender a tocar uma espécie de
acordeão de madeira. Também participava em associações culturais, fazia work-shops
de dança, fazia o que realmente gostava: interagir, brincar, ensinar e gostar
de pessoas.
O Tó Pê não era o típico emigrante empurrado pela vontade de vencer e
ter condições financeiras mais favoráveis. Era aventureiro. Gostava de ser
livre e correr mundo, apenas pelo prazer de conhecer novas pessoas, novas
culturas, novas gentes.
O Tó Pê sempre foi um “lobo solitário”. Sempre fez o que lhe ia na
alma e sem “dar cavaco” a ninguém. Na sua juventude e antes de ir para fora, sempre
andou sozinho, avesso ao sentido de manada, à “Maria-vai-com-as-outras” que
caracteriza a maior parte de todos nós, a nossa sociedade. A preocupação da
Sra. Manuela, sua mãe, nunca o impediu de “correr mundo” e estar temporadas
fora, a partir dos 17 ou 18 anos.
O Tó Pê tinha piada. Arranjava uma treta qualquer, uma conversa qualquer
que todos sabíamos ser treta para nos rirmos. Fazia parte da sua forma de estar
e de ser. Qualquer conversa em grupo tinha, invariavelmente, que meter risota e
boa disposição. A palavra que caracterizava mesmo o Tó Pê era “alegria”. Era
uma pessoa alegre, apesar de ter sofrido algumas agruras ao longo da sua vida.
Gostava de contar anedotas e mentiras teatrais, daquelas que toda
agente sabia que era mentira, mas contadas com arte e engenho. Gostava de rir e
fazer rir.
Certa vez chegou ao pé da malta na sua moto, todo lampeiro, e arranjou
logo uma mentira, na hora.
Começou por dizer que tinha conhecido uma rapariga que andava de mota
na Praia das Maçãs. Conversa mete conversa, era de Sintra, tinha 20 anos, não
tinha namorado, uma coisa leva a outra e acabaram na praia, “confortavelmente”.
“Epá, deu caldinho?”
perguntou o Varetas.
“Deu pois” respondeu o Tó
Pê.
“E a gaja, era bonita?”
perguntou o Coutinho?
Responde o Tó Pê: “Epá, nem
reparei. Não tirou o capacete...”
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