JOÃO AFONSO AGUIAR
A cidadania é um conceito antigo que sofreu várias alterações no seu conteúdo ao longo do tempo, é também um conceito dependente da qualidade de cidadão e consequentemente as transformações de um conceito têm reflexo directo no outro.
A cidadania é um conceito antigo que sofreu várias alterações no seu conteúdo ao longo do tempo, é também um conceito dependente da qualidade de cidadão e consequentemente as transformações de um conceito têm reflexo directo no outro.
A tradição histórica reconduz o
nascimento da qualidade de cidadão e da cidadania à antiguidade clássica,
mormente à polis helénica do séc. V a.C., onde era definida através da
contraposição do cidadão aos restantes membros da comunidade (os estrangeiros,
os escravos e as mulheres) e na atribuição de um poder/dever de participação na
vida política da cidade.
É desta relação com os negócios
públicos da cidade (“civitas”) que se
obtém a etimologia de cidadania, extraída do conceito latino “status civitatis”, que exprime um
estatuto, um vínculo jurídico, do indivíduo com a comunidade politicamente
organizada. A este conceito clássico de cidadania, Benjamin Constant denominou
de “liberdade dos antigos” que se caracterizava
pela “liberdade – participação” nos
negócios públicos, à qual era contraposta a “liberdade dos modernos” cuja evolução liberal consagrou como “liberdade – autonomia”.
Como refere o douto autor[1] “ (…) entre os antigos, o indivíduo,
soberano quase habitualmente nos assuntos públicos, é escravo nos assuntos
privados (…) entre os modernos, pelo contrário, o indivíduo, independente na
sua vida privada, não é soberano, mesmo nos Estados mais livres, senão na
aparência (…)”.
Na Idade Média, com a
desagregação do Império romano e a atomização dos centros de poder, o vínculo
jurídico de cidadão desaparece e dá origem ao vínculo jurídico de súbdito, que
estabelece uma relação de subordinação entre dois indivíduos (o individuo
soberano e o individuo subordinado).
No período moderno, e com o
impulso dado pela revolução francesa (1789), o conceito de cidadania sofre uma
nova transformação e sobrepõe-se ao conceito de súbdito, deixando a relação de
ser apenas de subordinação reintegrando a participação no seu núcleo e, dessa
forma, substituir um dos sujeitos da relação (o individuo soberano) pela nova
figura jurídico – política do Estado.
É com a emergência do Estado
moderno que assistimos à configuração actual do conceito de cidadania, pois o
Estado define-se também por um princípio de pessoalidade: o povo, ao qual se
destina o seu poder[2]. Desta forma, o cidadão é o membro do Estado e a cidadania
a qualidade de cidadão, que após a revolução francesa se elaborou como
participante no Estado democrático.
Esta nova fase é marcada pela
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que distinguiu direitos
do homem, enquanto tal, ligados ao conceito de direitos originários com origem
no direito natural, de direitos do cidadão, o indivíduo vivendo em sociedade.
A cidadania é hoje um “vínculo jurídico – político que, traduzindo
a pertinência de um indivíduo a um Estado, o constitui perante este num
particular conjunto de direitos e obrigações”[3]. Este vínculo é essencial
e estrutural para o Estado porque através dele se define o povo de um Estado. É
igualmente estrutural para as pessoas, e daí a sua definição como um direito
fundamental, reconhecido no Direito Internacional pelo artigo 15.º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), que consagra o direito à
cidadania e o direito a optar por uma cidadania.
O cidadão de um Estado
distingue-se de um estrangeiro pela natureza dos direitos e obrigações que
estabelece com o Estado. Contudo, actualmente essa diferença tem-se esbatido
mas com a manutenção de um núcleo essencial reservado ao cidadão nacional,
correspondente a direitos políticos, conforme é possível exemplificar pela redacção
actual do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
[1] cit. CONSTANT, Benjamin – De la
liberte des anciens comparée à celle des modernes. in Cours de Politique
Constitutionnele, IV, Paris, 1820, pág. 241 e segs. (apud MIRANDA,
Jorge – Manual de Direito Constitucional. Preliminares. O Estado e os
Sistemas Constitucionais. Tomo I. 7ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.
pág. 54.
[2]
cf. Ibidem. pág. 93 e segs.
[3]
cit. RAMOS, Moura R. M. – A Cidadania. in Polis – Enciclopédia Verbo
da Sociedade e do Estado. Lisboa: Editorial Verbo, 1983. pág. 824.
João Afonso Aguiar, nascido no anno domini de 1985, natural e residente
de Sintra, é advogado estagiário, membro da direcção da Associação Cultural Alagamares, frequenta actualmente uma
pós-graduação de especialização em Direito Fiscal e prepara a sua dissertação
de mestrado subordinada ao tema “O Referendo Constitucional”.
Com intervenções no movimento
associativo estudantil e nos mais variados espaços de intervenção militante
pela cidadania global, acredita que a pessoa não se confina a uma mera especialização
no circuito económico, devendo para isso viver e usufruir nas
suas dimensões intelectual, criativa, social, política e familiar.
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