Em 1858,o último morgado dos Cunhas Pereiras, António da
Cunha Sotto Mayor, com solar na Igreja Nova e que foi administrador do concelho
de Sintra, deu à estampa o livro "Physiologia
do Saloio", onde dissertou sobre a idiossincrasia do mesmo, de modo
que muitos mais tarde acharam pouco elogiosa.
O saloio será filiado do moçárabe, autóctone herdeiro de uma
cultura hispano-romana que floresceu nos agri olisiponenses, segundo Cardim
Ribeiro, de que restaram vestígios na toponímia (Monservia, Fontanelas, Janas,
Godigana, etc).Segundo Sotto Mayor o saloio ou çaloyo, como dantes se escrevia,
deriva de cala ou salah, oração, mas segundo David Lopes, em 1917, no seu
estudo designado "Coisas arábico-portuguesas" o saloio derivará do
árabe çahroi, cujo significado é homem do campo.
Sobre eles, escreveu Sotto Mayor:
“O saloio lava a cara
só quando chove, se não está debaixo de coberta enxuta ,naturalmente porque tem
medo de se constipar. O resto do corpo está virgem à água, se não lhe cairam
algumas gotas quando foi baptizado. É tal horror que elle tem a este liquido
para os usos de limpeza, que contaremos o seguinte facto.”
“Um empregado de
justiça por lhe anoitecer longe de casa, ficou na habitação de um saloio
casado, com filhos. Levantando-se de manhã, e não vendo em que se lavar pediu
água: trouxeram-lh'a n'um alguidar, e um panno, que de certo tinha mui
differente uso. Apenas o hospede começou a lavar a cara, os filhos que já estavam
meio espantados de tantos preparativos, fogem a correr gritando: «oh mãe! oh
mãe! olha o que elle está a fazer!!». Então a mãe para tranquillisar os
pequenos ,disse-lhe com certo ar de sapiencia: «calem a bocca, tolos ,aquillo
faz-se quase todos os dias na cedade. Por aqui póde-se avaliar quantas
condições hygienicas não existem nos campos, aos quaes apesar d'estes e outros
usos, ou para melhor dizer abusos immundos, não chega a colera nem a febre
amarella.
A saloia quasi sempre é
mais golosa do que o marido. Suspira pelo seu estado interessante, porque tem
certo comer pão alvo e gallinha durante os trinta ou quarenta dias do
regimento.
Para que venha em boa
hora, é remedio seguido e mui usado collocar na cabeça o chapéu do marido,e nos
hombros os calções do mesmo.Imagine-se pois,se é possivel, a posição caricata
de uma mulher com taes ademanes, adornada com taes atavios,e no meio das
evoluções e tregeitos a que a natureza a obriga. E o pobre do marido,
desprovido do seu principal ornato,se não tem outro!
“A epocha mais
brilhante da sua vida é a do cyrio da Senhora do Cabo ou da Nazareth na sua
freguezia. Aquelle que viu na sua parochia tres vezes qualquer das duas
imagens, julga-se feliz, porque tem uma boa conta de janeiros.
O cyrio é que é tudo: e
ahi que cada um mostra o valor da sua bolsa. Pouco importa o futuro: se se
cobriu de poeira; comprou barretina nova á sua companheira, que não costuma
torna-la a pôr; se fez casaca, que tem obrigação de viver os proximos vinte
annos; e galopou para traz e para deante nas povoações, como qualquer ajudante
de ordens n'uma parada
Nunca usa lenço, mas
possue em compensação cinco dedos magnificos, e um cano de boa. O garfo é para
elle a maior parte das vezes um traste inutil, porque lhe falta o geito de
comer com este instrumento de civilisação.Se é forçado a isso, pega-lhe como se
fosse um punhal; e depois de meter o bocado na bôca descansa-o no joelho Tanto
nos casamentos como nos baltisados o arroz doce é o prato favorito do saloio.
Não é porém uma ou duas travessas o que acommoda este manjar. Vem pratos que
semelham coxes de cal, e cada conviva deve comer um que lhe pertence de facto e
de direito, ou aliás, dizem elles, não faz a razão á festa Afora estes dias
festivos trabalha o saloio como um boi mas come quasi sempre como três homens
O saloio que não chega
a ter nome de grande lavrador, quando possue doze centos de mil réis é invejado
dos visinhos como senhor de infindo cabedal; e morre na certeza que os filhos
ficam arranjados. O saloio prefere sempre gastar com o enterro e não com o
boticario; e d'ahi que lhe provem a repugnnancia aos remedios de botica. Toma
muitas vezes o seu xarope que consiste em meia canada de vinho, allecrim,
canella ,losna e assucar. Admira! mas isto em vez de o fazer arrebentar ,fa-lo
transpirar muito, se não lhe produziu alguma desorganização impossivel de
concertar. O nojo é singular. Logo que o doente se finou ,os parentes cobrem-se
com mantas de lã(pretas e brancas geralmente)pela cabeça; e não deixam de sair
a casa dos visinhos, á loja, ou a qualquer outro sitio. Atam um lenço em volta
da cabeça com as pontas cahidas pelas costas, e conversam familiarmente acerca
do acontecimento com uma resignação verdadeiramente estóica. Encontra-se isto
nos maridos, nos paes, nos filhos, e até nos parentes mais remotos e amigos.
Nunca chora o nosso concidadão, e rarissimas vezes o faz a concidadôa”.
Marca distintiva ou chauvinismo social do autor? Um retrato,
no mínimo, interessante
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