Janeiro de 1659. Há
três meses que Elvas sofria o cerco dos homens de Luís Mendes de Haro, primeiro-ministro de Espanha. Nesse dia 14,
porém, os factos precipitaram-se, e o sangue falou mais alto.
Havia dezanove anos que os Braganças tinham recuperado o trono, mas nunca os espanhóis o reconheceram, persistentes, no Alentejo os portugueses batalhavam pelo Reino, sob o comando do conde de Cantanhede. Na frente contavam com mil homens, com armas e faxinas para cegar os fossos, comandados pelo general Diogo de Figueiredo, os infantes, cerca de três mil, eram comandados pelo conde de Mesquitela e por André de Albuquerque Ribafria, outros dois mil pelo sargento-mor Mendes Leitão. De reserva, dois mil mais, às ordens de Pedro de Lalande.
A artilharia ocupou posições perto de Amoreira, donde batia eficazmente o campo de batalha e bravos armados decidiam a sorte do reino. O troar das armas cedo virou para o lado português, cortando os homens de Diogo de Figueiredo as linhas, auxiliados pelos terços do conde de Mesquitela. Um fortim foi tomado, e pela brecha foram entrando as forças, que tomaram posição, pressionando os de Espanha.
André Albuquerque de Ribafria, 4º alcaide de Sintra, evidenciava-se no campo de batalha. De compleição rija, barba afiada, em forma de sabre, hábil manejador das armas, era uma lenda, qual Nuno Álvares, respeitado pelos pares e idolatrado pela soldadesca. Histórias a roçar a fantasia corriam pelos botequins e tabernas. Órfão aos treze, criado por D.Antão Vaz de Almada, treinara-se para as armas em Sintra, caçando com seu irmão Pedro sob o olhar do pai, Gaspar Gonçalves da Ribafria, o terceiro dos alcaides. Aos dezassete, combatera os holandeses no Brasil, aos dezoito herdara a alcaidaria. General com apenas trinta, nesse dia em transe cavalgou o campo de batalha, cerrando os dentes e incitando os homens:
-A eles, soldados! É Elvas ou o céu! -gritou, bramindo a espada, do cimo do cavalo que rodopiava num bailado bélico.Com o corpo marcado por sequelas do tropel, sofrera ferimentos na cara em Arronches, pisado no chão da batalha por cargas de cavalaria, e nessa altura quase dado como morto.
-O Forte da Graça já é nosso, vamos em apoio de Lalande, general! -sugeriu o conde de Mesquitela, mais cerebral.
Os soldados agigantaram-se sob o comando de Ribafria, o chefe que sabia recompensar, mas também castigar os que se lhe opunham. Adiantando-se numa zona mais alta, ficou alvo fácil dos de Espanha, e Don Luís de Haro, que comandava da retaguarda, vendo-o, ordenou o seu abate, cintilando no horizonte. Levantando um braço para repelir um peão, depois de já ter posto termo à vida a dois, uma bala assassina entrou-lhe pelo sovaco, mal protegido pela couraça. Os olhos ficaram turvos, o corpo mole, logo tombando desgovernado do cavalo. Em seu encalço foi Jorge da Franca, que lhe arrastou o corpo para junto de um sobreiro.
-Está ferido, General?
-Não é nada, Jorge -sorriu, passando a mão pelo braço estilhaçado, onde uma poça de sangue ia alastrando –nossa, e livre, será Elvas ainda esta noite, bom amigo!
-Vou chamar um físico, há que tratar o braço sem delongas, general!
-Não, deixa-atalhou, já pálido. -Diz a Afonso de Mendonça que finda a batalha mande um homem a Sintra, e diga a meu feitor que hoje um português que nunca temeu espada senão a da justiça, tombou em honra, no campo de batalha.
E cerrando os olhos, deixou-se partir, lentamente. Nervoso, o cavalo relinchou, órfão do companheiro de correrias pelo Alentejo, quase restaurado. Caída a noite, o cheiro a morte empestava os ares. Elvas estava liberta, e os espanhóis recuavam, dos dezoito mil, menos de um terço sobrevivera e recolhia a Badajoz. Pouco mais haveriam de durar as correrias, vencidos, os Filipes dobravam a espinha, perante a força indómita do povo.
Em recolhimento, o cadáver de André de Albuquerque foi levado para Elvas, e velado na Igreja de S. Maria de Alcáçova, donde, com pompa militar, foi levado a sepultar na Igreja de S. Francisco dos Capuchos, a 16 de Janeiro. Morto o homem, nascia a lenda do maior dos Ribafrias.
Havia dezanove anos que os Braganças tinham recuperado o trono, mas nunca os espanhóis o reconheceram, persistentes, no Alentejo os portugueses batalhavam pelo Reino, sob o comando do conde de Cantanhede. Na frente contavam com mil homens, com armas e faxinas para cegar os fossos, comandados pelo general Diogo de Figueiredo, os infantes, cerca de três mil, eram comandados pelo conde de Mesquitela e por André de Albuquerque Ribafria, outros dois mil pelo sargento-mor Mendes Leitão. De reserva, dois mil mais, às ordens de Pedro de Lalande.
A artilharia ocupou posições perto de Amoreira, donde batia eficazmente o campo de batalha e bravos armados decidiam a sorte do reino. O troar das armas cedo virou para o lado português, cortando os homens de Diogo de Figueiredo as linhas, auxiliados pelos terços do conde de Mesquitela. Um fortim foi tomado, e pela brecha foram entrando as forças, que tomaram posição, pressionando os de Espanha.
André Albuquerque de Ribafria, 4º alcaide de Sintra, evidenciava-se no campo de batalha. De compleição rija, barba afiada, em forma de sabre, hábil manejador das armas, era uma lenda, qual Nuno Álvares, respeitado pelos pares e idolatrado pela soldadesca. Histórias a roçar a fantasia corriam pelos botequins e tabernas. Órfão aos treze, criado por D.Antão Vaz de Almada, treinara-se para as armas em Sintra, caçando com seu irmão Pedro sob o olhar do pai, Gaspar Gonçalves da Ribafria, o terceiro dos alcaides. Aos dezassete, combatera os holandeses no Brasil, aos dezoito herdara a alcaidaria. General com apenas trinta, nesse dia em transe cavalgou o campo de batalha, cerrando os dentes e incitando os homens:
-A eles, soldados! É Elvas ou o céu! -gritou, bramindo a espada, do cimo do cavalo que rodopiava num bailado bélico.Com o corpo marcado por sequelas do tropel, sofrera ferimentos na cara em Arronches, pisado no chão da batalha por cargas de cavalaria, e nessa altura quase dado como morto.
-O Forte da Graça já é nosso, vamos em apoio de Lalande, general! -sugeriu o conde de Mesquitela, mais cerebral.
Os soldados agigantaram-se sob o comando de Ribafria, o chefe que sabia recompensar, mas também castigar os que se lhe opunham. Adiantando-se numa zona mais alta, ficou alvo fácil dos de Espanha, e Don Luís de Haro, que comandava da retaguarda, vendo-o, ordenou o seu abate, cintilando no horizonte. Levantando um braço para repelir um peão, depois de já ter posto termo à vida a dois, uma bala assassina entrou-lhe pelo sovaco, mal protegido pela couraça. Os olhos ficaram turvos, o corpo mole, logo tombando desgovernado do cavalo. Em seu encalço foi Jorge da Franca, que lhe arrastou o corpo para junto de um sobreiro.
-Está ferido, General?
-Não é nada, Jorge -sorriu, passando a mão pelo braço estilhaçado, onde uma poça de sangue ia alastrando –nossa, e livre, será Elvas ainda esta noite, bom amigo!
-Vou chamar um físico, há que tratar o braço sem delongas, general!
-Não, deixa-atalhou, já pálido. -Diz a Afonso de Mendonça que finda a batalha mande um homem a Sintra, e diga a meu feitor que hoje um português que nunca temeu espada senão a da justiça, tombou em honra, no campo de batalha.
E cerrando os olhos, deixou-se partir, lentamente. Nervoso, o cavalo relinchou, órfão do companheiro de correrias pelo Alentejo, quase restaurado. Caída a noite, o cheiro a morte empestava os ares. Elvas estava liberta, e os espanhóis recuavam, dos dezoito mil, menos de um terço sobrevivera e recolhia a Badajoz. Pouco mais haveriam de durar as correrias, vencidos, os Filipes dobravam a espinha, perante a força indómita do povo.
Em recolhimento, o cadáver de André de Albuquerque foi levado para Elvas, e velado na Igreja de S. Maria de Alcáçova, donde, com pompa militar, foi levado a sepultar na Igreja de S. Francisco dos Capuchos, a 16 de Janeiro. Morto o homem, nascia a lenda do maior dos Ribafrias.
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