sexta-feira, 9 de maio de 2014

À Pena, penoso acesso

JOÃO CACHADO

Até nem precisaria de convidar o Presidente Basílio Horta para nos acompanhar na subida. Desde que iniciou o mandato como Presidente da Câmara, já tantas vezes terá feito este percurso que esta chamada de atenção apenas lhe servirá de revisão da matéria. É a íngreme, sinuosa, belíssima e célebre Rampa da Pena, permanente objecto da ofensa resultante de circulação acumulada de milhares e milhares de automóveis que, ao longo de anos, todos os dias, a prejudicam de todas as formas.

Directo ao assunto, o que preocupa é o estado da estrada, nomeadamente, as bermas ou a ausência das mesmas, as pedras soltas, grandes pedregulhos ameaçando queda, os muros destruídos, meio tombados, escalavrados, árvores descarnadas, lixo acumulado, em suma um desleixo de bradar aos céus que nos deixa irremediavelmente envergonhados, desolados.

A pé, como não raro o fazemos, a sensação é de total frustração, bem simbólica de todo um estado de coisas, muito mais geral, que afecta todo o país. No entanto, em Sintra, protagoniza uma lamentável atitude de ataque e de desrespeito pelo património – que, ali, só podia e devia estar sendo defendido – como em qualquer outro local, onde as memórias de cada um se cruzam e confundem com experiências e vivências do passado e no presente, só possíveis porque o espírito do lugar isso mesmo propicia.

“(…) A estrada sinuosa vai contornando a serra como um abraço. Abóbadas de verdura protegem-na do Sol, separam o viajante ciosamente da paisagem circundante. Não se reclamem horizontes largos quando o horizonte próximo for uma cortina cintilante de troncos e folhagens, um jogo infinito de verdes e de luz. (…)”
[José Saramago, Viagem a Portugal, p. 173, 1ª ed., Círculo de Leitores, Lisboa, 1981]
Sabem os meus leitores de há muitos anos que radicais motivos de defesa do ambiente me têm determinado à proposta do encerramento ao trânsito de veículos particulares para acesso aos pontos altos da Serra de Sintra. Contam-se por dezenas, muitas, tanto no Jornal de Sintra como noutras publicações, também nas redes sociais, as vezes em que tenho abordado esta matéria, louvando-me de exemplos bem conhecidos por essa Europa fora. Neuschwanstein? Claro que sim, por uma imediata analogia. Mas, tantos, tantos outros, onde o acesso motorizado é totalmente impossível.

Teria de recuar à década de noventa do século passado para vos lembrar a última oportunidade em que aquela sábia medida foi concretizada. Aconteceu durante o mandato de Edite Estrela que bem pode orgulhar-se de ter subscrito uma atitude tão corajosa como culta e civilizada. Na sequência daquela benéfica prática, aconteceu a lamentável reabertura do acesso a tais veículos, acabando por incentivar e, paradoxalmente, potenciar a sua circulação com a instalação de parques de estacionamento nas cercanias do Parque…

Parques dissuasores de estacionamento, estrategicamente instalados nas zonas de Ramalhão, Ribeira e Lourel, em articulação com carreiras de transportes públicos para todos os destinos turísticos, incluindo os alternativos – desde os veículos eléctricos ao funicular e às hipomóveis galeras de grande dimensão – eis algumas das soluções que, muito mais cedo do que tarde, não podem deixar de ser adoptadas em Sintra.

Actualmente, sempre continuando a advogar a urgente concretização destas medidas, também sou de opinião que será mais criterioso aguardar pela sua operacionalização para, só então, encerrar definitivamente a Rampa da Pena. Entretanto, impõe-se que a Câmara Municipal de Sintra providencie à imediata beneficiação da estrada em relação aos aspectos referidos. Por todos os meios ao seu alcance. E, por favor, sem delongas nem desculpas.




[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

1 comentário:

  1. Completamente de acordo Dr. João Cachado. Há que preservar a nossa serra e libertá-la do trânsito particular. Será uma medida radical como diz, uma medida que desagradará a muita gente mas absolutamente necessária. Um abraço amigo.

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