quarta-feira, 21 de maio de 2014

Casino, novo destino



JOÃO CACHADO

Museu das Artes de Sintra - MU.SA! Ora aí temos, bem mais cedo do que jamais imaginaríamos, o novo espaço museológico que, aproveitando as características de um edifício tão interessante como é o Casino, permite explorar a subtil polivalência de propostas que ali é possível concretizar para benefício dos munícipes e visitantes em geral.

Apesar de tão bem a conhecer, fascina-me cada vez mais esta grande casa da Heliodoro Salgado. Depois do inicial Casino, sem quaisquer jogos de azar, Sintra exigiu-lhe cenas de Biblioteca Municipal – onde trabalhou a grande figura da Cultura Portuguesa que foi o filósofo Manuel Lourenço – também de Secção de Finanças ou Escola Preparatória e, mais recentemente, Museu de Arte Moderna-Colecção Berardo.

Enfim, para nossa permanente surpresa, as sete vidas que lhe vamos acrescentando, dele têm feito um verdadeiro felino, flexível, adaptável a todas as circunstâncias… E, de facto, esgalhado pelo gabarito do Arquitecto Norte Júnior, aquele edifício tem aguentado tudo o que se lhe pede, com uma ductilidade fora do comum.

Ora bem, cumpre lembrar que, como tem sido público e notório, através dos artigos nestas páginas dados à estampa ao longo dos últimos meses, estive perfeitamente convencido de que o último pedido ao Casino tinha sido oportunamente formulado, no sentido de acolher a designada Colecção Bartolomeu Cid dos Santos, já que decorria dos termos do Protocolo celebrado entre a autarquia e Maria Fernanda dos Santos.

A montante do MU.SA

Praticamente, desde o início do mandato do actual executivo autárquico, se sabe que existiam divergências de interpretação de algumas e importantes cláusulas do referido documento contratual. Naturalmente, tal circunstância suscitou a necessidade de recorrer aos consultores jurídicos de ambas as partes. De acordo com as informações que obtive, embora prolongadas e ainda não concluídas, é de prever que as negociações tenham o desfecho que mais convirá à salvaguarda tanto dos interesses da autarquia como da cedente.

Confortável com esta explicação, considerei que, dispondo da mais-valia de tal edifício, não era possível protelar, sine die, a ocupação do Casino que – entretanto, tal como tenho dado conhecimento – foi devidamente beneficiado e dotado das condições necessárias e suficientes ao funcionamento como espaço propício à promoção de exposições de artes plásticas permanentes e temporárias. Pois bem, tanto quanto indaguei, foi neste contexto que se evidenciou e concluiu como a solução MU.SA se revestia da maior pertinência.

Quando me apercebi de que, surpreendentemente, e em tempo curtíssimo de trabalhos de preparação, a Câmara Municipal de Sintra já estaria a perspectivar a reabertura para uma data tão próxima quanto era a do dia 17 do corrente mês de Maio, procurei inteirar-me. Logo entendendo que era esse o meu objectivo, o Vice-Presidente Rui Pereira, também Vereador com o Pelouro da Cultura, sugeriu-me integrar o pequeno grupo que, no passado dia 9, se deslocou ao Casino em visita de reconhecimento.

Se, em boa hora o fez, ainda em melhor aceitei eu o convite porque, só assim, teria o privilégio de partilhar opiniões e impressões indispensáveis à redacção destas linhas. Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar o facto de, já há alguns anos, ser este um projecto cuja eventualidade de concretização foi objecto de frequente troca de impressões entre técnicos dos serviços, tal como, participante activa da visita, a Dra. Conceição Carvalho, assessora do Conselho de Administração da SintraQuorum, teve oportunidade de recordar.

A verdade é que, ultimamente, esta mesma hipótese de montar um museu no Casino ganhou novo realce depois de ter sido ventilada por Fernando Castelo, no seu blogue Retalhos de Sintra, num texto em que propunha, além da exposição das obras de pintura do valiosíssimo espólio municipal, também a possibilidade de constituir um núcleo museológico com as peças oportunamente doadas pela escultora Dorita de Castel-Branco e considerar mais outro espaço para a realização de exposições temporárias.

Ao reconhecer o seu manifesto interesse, o Vice-Presidente Rui Pereira, durante a conversa que comigo manteve antes da aludida visita, não perdeu a oportunidade de me dar a entender como aquela proposta fora determinante para a efectivação do projecto e, portanto, como a autarquia está atenta às sugestões dos cidadãos.

A visita

Integrei-me, então, no tal grupo visitante que, contando com a já mencionada Dra. Conceição, era composto pela Dra. Ana Santos, adjunta do gabinete da Vice-Presidência, Dr. Carlos Vieira, Chefe da Divisão de Cultura, Pintor Vitor Pi, fotógrafo Nuno Antunes, foi guiado pelo Coordenador do Núcleo de Museus e Galerias de Arte da CMS, Mestre Jorge Martins, cuja estratégia e coerência de opções teve oportunidade de connosco partilhar.

Uma das notas salientes é a presença da obra de Dorita, já que não se limita à ocupação do núcleo museológico que, no rés-do-chão, à direita de quem acede ao interior do edifício lhe é totalmente afecto. De facto, quer na esplanada exterior quer no primeiro andar, algumas das suas peças sublinham as afinidades de um percurso que o visitante deverá entender, como será a da tapeçaria de grandes dimensões que, na parede fronteira, ao cimo da escadaria, naquele impositivo patamar do primeiro andar, é um marco da distribuição da pintura, da escultura e da fotografia do importante acervo do município de Sintra.

À direita, teremos uma zona de homenagem a Emílio Paula Campos, a quem é consignado o devido reconhecimento e destaque. Á partir daí se parte para uma viagem que, através das sucessivas e contíguas salas, nos levará à obra de consagrados, como Júlio Pomar, Milly Possoz, Cristino da Silva ou de Adriano Costa, o pintor de Sintra, na apreciação de Fernando Pamplona no seu “Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses”. 
 Obra de Júlio Pomar de 1942 no MU.SA

Neste piso, um lógico circuito vai privilegiando a paisagem, desde obras figurativas, até à abstracção, num bem encadeado novelo de conotações, igualmente circulando por uma componente espacial em que se articulam obras premiadas no Concurso D. Fernando II, finalizando com a vertente da fotografia. Depois de descer e retomar o rés-do-chão, eis um espaço afecto às exposições temporárias – a primeira das quais dedicada a Vitor Pi – e o Lab.Art, zona de lugar à vanguarda, cuja primeira iniciativa contemplará a instalação “Entrentrente” de Jorge Cerqueira.

Pendentes

Não poderia deixar de aproveitar a oportunidade para lembrar que, ininterruptamente, entre 2005 e 2013, o “World Press Cartoon” viveu 9 edições, de início, no Centro Cultural Olga Cadaval e, posteriormente, no Casino. Trata-se de um evento anual do maior interesse que já está indissociavelmente ligado a Sintra e que Sintra não tem qualquer vantagem em perder para um enquadramento alheio.

Final e compreensivelmente, o grande destaque de pendência para a Colecção Bartolomeu Cid dos Santos. Como é sabido, além do espólio do grande artista, cujo magistério na Slade School de Londres ainda hoje é reclamado pelos maiores gravadores mundiais, a Colecção integra um núcleo de obras assinadas pelos mais prestigiados pintores portugueses contemporâneos, tais como Paula Rego, Vieira da Silva ou Júlio Pomar, bem como peças do também seu amigo Francis Bacon, um conjunto perfeitamente deslumbrante que, não tenho a mínima dúvida, passarão a constituir um extraordinário polo de atracção cultural em Sintra. Tendo sido prevista para o Casino, há que lhe equacionar a melhor solução.

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

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