O mar ao longe dificilmente se
distinguia da linha do horizonte. Apenas através das diferenças de tonalidade
se tornava possível distingui-las, e isto claro, sabendo que ele se encontrava
lá ao longe naquelas bandas. Com efeito e por vezes em função da incidência dos
raios solares, estes espelhavam reflexos brilhantes nas águas. Outras vezes era
o próprio céu que se apresentava com uma coloração azul desmaiada sendo fácil
distingui-lo do azul esverdeado forte e mais carregado das águas do mar.
A distância a que se encontrava
do mar, era bastante significativa. Dir-se-ia uma boa dezena de km em linha
recta.
A janela por dentro da qual
espreitava o mar na distância, apresentava um formato arredondado formado mais
correctamente por um painel de 4 pequenas vidraças, onde apenas duas delas se
abriam para o exterior. Esta janela fazia parte de um apartamento situado num
5º andar, pertencendo a um bloco isolado de 9 pisos na sua altura máxima.
Na sua frente abria-se um amplo
espaço permitindo a visão para longe, por cima dos telhados de algumas casas
mais baixas, e localizadas em planos inferiores, numa total imensidão até onde
a vista e a distância alcançavam.
Por perto uma pequena mata de
pinheiros mansos permitia deliciar os olhos com o seu verde permanente,
salpicado do amarelo dos rebentos novos e respectiva floração. Outra espécie de
pinheiro formava áleas delimitando a zona pedonal da zona de circulação
automóvel.
Uns campos de jogos agora
abandonados, faziam as delícias dos mais novos, numa boa peladinha de futebol
de cinco. Um pouco mais ao lado, o que já fora em tempos campo pelado, depois
campo ervado, era agora de novo um campo pelado, aguardando a colocação de um
piso de relva sintética, após ter sofrido algumas obras, como a construção de
muros em betão delimitando o seu perímetro, tendo em vista a protecção do
futuro espaço desportivo. O mesmo foi ligeiramente alargado e aumentado no seu
comprimento, mas receia-se que esta ampliação não venha permitir a criação de
uma pista em seu redor, no sentido de facilitar a prática do atletismo, algo
bastante procurado pelos amantes desta modalidade, acessível a todos, os quais
como única alternativa terão de continuar a correr pelas ruas e no meio dos
carros, competindo com os automóveis, e respirando um ar saturado e nada
favorável à prática desportiva.
A redonda janela embora não muito
ampla, mostrava uma significativa área aberta, permitindo e convidando a que o
olhar se estendesse sem chocar com coisa alguma.
Num longe perto avistavam-se meia
dúzia de guindastes, sinal de construção, não obstante a situação de crise que
atravessávamos.
Num longe significativamente longe,
eram os postes das antenas de televisão que sobressaíam, atiradas para o ar
como agulhas, mais parecendo troncos nus de folhas e ramos.
Um depósito de água encimado por
uma cúpula redonda, sobressaía destacando-se no azul do céu, semelhando uma
torre de controlo aéreo.
O verde por entre a concentração de casas num
plano próximo ajudava a quebrar a monotonia do betão, combatendo o amarelo
torrado e o branco das casas, bem como os tons rosa da cor dos telhados.
A fita cinzenta das estradas lá
seguia o seu caminho, ajudando à circulação automóvel, que fluía de forma rala
e esparsa, própria da hora de pouco movimento.
Sentado na cadeira da sala servida
por esta janela, podia observar calmamente todo o movimento. As nuvens rodavam
desenfreadamente arrastadas por um vento contínuo, mais activo nas camadas
altas da atmosfera, pois as folhas das árvores dobravam de forma rítmica e suave.
O céu aos poucos carregava e
escurecia. Uma chuva miúda principia a cair. Uma breve bátega abateu-se de
repente, dando rapidamente lugar a um brilhante sol, banhando de luz os
objectos e colocando cintilações nas pingas pendentes, e nas poças de água agora
criadas. Estávamos no início da Primavera, e a incerteza desta estação, assim
determinava estes comportamentos. Belos todos eles, pelas matizes colocadas nas
folhas e ramos, pelas cores variegadas vindas dos campos, que se esforçam por
sorrir e fazer desabrochar as flores.
Uma pequena e ténue neblina
observada ao longe torna irreais os objectos apagando-os aos poucos no seu
caminhar de proximidade. As casas perdem as suas cores e os seus contornos. A
chuva miúda retorna a cair e desta vez parece que veio para ficar.
A claridade apesar de diminuta
vinda através dos vidros da janela, permitem que continue a leitura da obra a
que se dedicara nos últimos minutos. Trata-se de uma obra de conteúdo
relaxante, o qual adquire outro sabor quando feito junto a esta janela aberta
sobre o pequeno mundo no qual habita.
Através dela consegue alcançar
outros mundos, outras vidas. Através dela deixa o seu olhar passear. Ousa
sonhar e criar o seu próprio universo. Construir o seu castelo de cartas, e vê-lo
ruir quando se retira para o interior e afasta da janela.
A janela constituía o contacto
com o mundo exterior. Através dela chegavam os sons dos carros correndo na
avenida, as sirenes das ambulâncias cavalgando apressadas, o vento rugindo ao
passar na esquina do prédio. Escassas e imperceptíveis as vozes dos transeuntes
dada a altura e a distância. No andar superior o cão do vizinho começou a falar
de forma rápida e aparentemente de satisfação. Eram efectivamente horas dos
donos regressarem a casa, e o bichano manifestava dessa forma a sua alegria.
O telefone tocou transportando-o
para outra realidade. Alguém chamava do outro lado, necessitado de esclarecer
alguma situação, ou prestar informações, sem colocar de lado a hipótese de ter
havido engano no nº discado. Levantou-se rapidamente e caminhou para a sala
onde se encontrava acordado e irritado o telefone pousado no descanso. Retinia
com insistência e estridência, como se tivesse pressa. Levantou o auscultador,
e do lado de lá ouviu um sinal sonoro indicador de corte de chamada. Certamente
alguém se enganara e havia considerado essa hipótese, optando por interromper a
comunicação. Pousou o auscultador com um singelo encolher de ombros. A hipótese
formulada de possível engano vingara, pois não reconhecera o nº no visor.
Aproveitou para se deslocar à
cozinha. Sentia uma ligeira necessidade de comer alguma coisa. Estava próximo
da hora do lanche. O almoço fora aparentemente mais fraco que o habitual. Peixe
e legumes segundo o ditado, não puxam carroça. Havia que comer algo para
enganar o estômago e esperar assim pela hora do jantar. Preparou uma sandes com
queijo, enquanto a cafeteira eléctrica entretanto ligada, cumpria a sua missão
de aquecer a água nela colocada. Iria
tomar um chá a acompanhar a sandes.
Satisfeita esta necessidade
básica e primária, já com recurso à iluminação artificial, pois a noite
fechara-se sobre si, retomou à sala meio às apalpadelas, servindo-se agora da
claridade vinda do exterior, que entrava pela vidraça adentro da janela
redonda.
Perto e ao longe as lâmpadas da
iluminação pública brilhavam, semelhantes a faróis faiscantes. No interior das
casas próximas, a iluminação era bastante escassa. Os cidadãos encontravam-se a
caminho de suas residências, após concluírem mais um dia de trabalho. Era assim
um dos ciclos da vida e uma das rotinas a cumprir até à exaustão.
Sentou-se na cadeira contemplando
o agora céu azul com bastantes nuvens, deixando antever escassos pontinhos
brilhantes. Sentiu sonolência e as pálpebras algo pesadas. Optou por não contrariar
este curto convite ao descanso. Encostou-se comodamente e fechou os olhos.
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