Domingos da Silva “Carrenquita”, ou “Esguicho”.
Personagem digno de referência em qualquer parte. Nunca nada nem
ninguém o fez ficar sem resposta. Falava rápido e com resposta na ponta da
língua.
Não o conheci, já que faleceu antes de eu nascer. Contudo é figura que
vem bastas vezes à conversa quando se quer ter piada e apresentar um exemplo.
Conheço os descendentes vivos, e conheci os falecidos, quase todos com a mesma
resposta directa e mordaz. O falecido “Patíco” ou Pé-De-Chumbo, Francisco
Rodrigues da Silva de seu nome, era o que se podia apontar como sendo uma
pessoa com graça genuína, impar. Trabalhava com uma junta de bois, salvo erro
herdada do pai, o Galante e o Formoso, animais para amanho das terras antes da
entrada em cena dos tractores. Foram a última junta de bois de Fontanelas e
Gouveia. Ainda me lembro da chamada aos animais “Ó Galante, ó Formoso”, quando
queria comunicar com eles, dar-lhes alento, confortá-los.
Também Henrique Rodrigues da Silva, de alcunha entre dentes “Caricoso”,
Riques na sua presença, meu vizinho de
50 anos, porta com porta, carteiro reformado e barbeiro enquanto as pernas e a vista o permitirem, sempre com uma conversa
engraçada e um ditote apropriado. Enquanto miúdo fui quase criado por ele e
pela a Ti Isabel, mulher do Ti Riques. Quando ao Domingo de manhã atravessava o
caminho para casa deles, ia directo à “Casa das Barbas” a assistir à conversa
dos velhotes que lá iam cortar o cabelo e fazer a barba. O meu avô Domingos
Tanoeiro, o Henrique Borracho, Lourenço Maçanico, o Domingos Carrombão, falavam
entre si se o tempo ia “à chuva”, “borriçava” ou “ia para Nordeste”. Com sete
anitos ninguém me calava. O Ti Riques, farto de me ouvir, perguntava: “Queres ganhar 5 Tostões?” “Quero, Ti Riques.” respondia eu. “Então deixa-te estar calado”, fechava o
Ti Riques.
O Domingos “Carrenquita” era assertivo e mordaz na argumentação e
discurso, ninguém lhe conseguia dar troco verbal, em qualquer que fosse a
situação.
No tempo da guerra em que a fome apertava, era comum os rapazes e
raparigas de famílias numerosas irem “servir” para casas de famílias abastadas,
aliviando a mesa da cozinha. Normalmente não ganhavam nada, apenas sopas de pão,
uma manta carregada de pulgas, umas calças com fundilhos e um pontapé no cú.
Quando um dos filhos aos 9 anos foi servir para Janas para casa do
Minguitos Bordalo, este ficou espantado quando ouviu do Carrenquita: “Não é preciso dar de comer ao rapaz”.
“Ah não? inquiriu o Minguitos.
Remata o Carrenquita “É só pôr à frente que ele come sozinho”.
Noutra ocasião andavam os fiscais à procura de quem tinha telefonia
sem licença. Quem não tivesse licença a telefonia era confiscada, com direito a
apreensão imediata.
Vinha o Carrenquita a caminho da Taberna da Viúva, estavam os fiscais
na mercearia. Abordaram-no e perguntaram se ele tinha telefonia. Responde: “Tenho sim, senhores.” “E tem licença?” perguntaram. “Não senhores, não tenho.” retorquiu o
Carrenquita.
“Como é que se chama e onde mora?”-
perguntaram.
“Chamo-me Domingos da Silva
“Carrenquita”, mais conhecido pelo “Esguicho” e moro em tal parte.” Vão andando que eu já lá vou ter”.
Assim foi. Foram andando e perguntando e lá chegaram, quase ao mesmo
tempo que o dono da casa.
Ao chegar à porta perguntaram: ”Então
onde é que está essa telefonia?”
Grita o Carrenquita: “Ó Maria
Domingas”.
Sai de lá a Maria Domingas a ralhar com ele quanto podia: “O gado está todo para tratar, foste para a
taberna, não tiraste a cama aos bois, as vacas para mugir, és um malandro, só pensas
em beber vinho, ... “ .
Vira-se o Carrenquita para os fiscais: ”Aqui está a telefonia! Não tem licença, não se cala, toca alto e podem
levá-la quando quiserem”.
Mas ficou...
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