JORGE LEÃO
O episódio passa-se em 1492 e é o resultado da “fortíssima fibra moral de D. João II”.
O episódio passa-se em 1492 e é o resultado da “fortíssima fibra moral de D. João II”.
Num tempo em
que nos confrontamos mais uma vez com uma crise epidémica, devemos agradecer
àqueles que, com risco para a sua saúde e para a sua vida, trabalham para que a
sociedade faça sentido. Hoje, em primeiro, aos profissionais de saúde, médicos,
enfermeiros, auxiliares, etc., mas também a todos os que continuam
necessariamente a trabalhar com risco. No passado foram outros e aqui a
História serve para nos lembrar isso.
Do que el
Rey fez, quando a sua nau grande partiu para Levante.
Mandou el
Rey fazer uma nau de mil toneis, a mais forte, e a melhor acabada, e a maior,
que nunca até então fora vista, de tão grosso, forte, e basto cordame, e tão
grosso tabuado, que a artilharia a não podia passar, e tinha tantas bombardas
grossas, e outras artilharias, que foi muito falado nela em muitas partes.
Estando esta nau com outros navios que com ela iam partir para Levante, onde a
mandava mais ricamente concertada, e com a melhor gente, e Álvaro da Cunha seu
estribeiro-mor, pessoa de quem muito confiava, como capitão-mor, e estando no
Restelo para partirem, e el Rey em Sintra a partir para Belém, e daí a ver
partir, lhe veio recado que na nau adoeceram de peste cinco, ou seis pessoas, o
que muito pesou a el Rey, e lhe aconselharam todos que não fosse a Belém por o
perigo que era. Chamou então Dom Diogo D`Almeida prior do Crato, e D. Diogo
Lobo Barão do Alvito, pessoas de muita autoridade, e disse-lhes, que lhes
agradeceria muito chegarem a Belém, e de sua parte dizerem a Álvaro da Cunha, e
aos fidalgos e cavaleiros que com ele iam, que lhe pesara muito os
acontecimentos que na nau houvera, por não os ir ver como desejava, por ser
aconselhado que não fosse lá, e que nosso Senhor os levasse, e trouxesse como
ele, e eles desejavam. O Prior, e o Barão pesando-lhes a ida, o disseram ao
camareiro-mor Aires da Silva, que com licença de ambos disse a el Rey que lhe
parecia coisa pouco necessária mandar tais pessoas, e tão chegadas a ele, sem
necessidade a um lugar tão perigoso, e el Rey lhe respondeu: Ora pois que se
têm medo não vão, que eu irei lá. E ao outro dia levantou-se muito cedo, e foi
ouvir missa a Belém, e aí lhe beijaram a mão Álvaro da Cunha, e todos os
fidalgos, e cavaleiros seus criados que na armada iam, e acabado deles se
despediu, e se tornou a jantar a Sintra. (*)
CRÓNICA DE
D. JOÃO II
Garcia de
Resende
* –
Transcrição sumária do autor.
Publicado na
página online do Jornal de Sintra em 03.04.2020.
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