segunda-feira, 29 de junho de 2020

D. João II e um caso de distanciamento social


JORGE LEÃO












O episódio passa-se em 1492 e é o resultado da “fortíssima fibra moral de D. João II”. 

Num tempo em que nos confrontamos mais uma vez com uma crise epidémica, devemos agradecer àqueles que, com risco para a sua saúde e para a sua vida, trabalham para que a sociedade faça sentido. Hoje, em primeiro, aos profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares, etc., mas também a todos os que continuam necessariamente a trabalhar com risco. No passado foram outros e aqui a História serve para nos lembrar isso.



Do que el Rey fez, quando a sua nau grande partiu para Levante.

Mandou el Rey fazer uma nau de mil toneis, a mais forte, e a melhor acabada, e a maior, que nunca até então fora vista, de tão grosso, forte, e basto cordame, e tão grosso tabuado, que a artilharia a não podia passar, e tinha tantas bombardas grossas, e outras artilharias, que foi muito falado nela em muitas partes. Estando esta nau com outros navios que com ela iam partir para Levante, onde a mandava mais ricamente concertada, e com a melhor gente, e Álvaro da Cunha seu estribeiro-mor, pessoa de quem muito confiava, como capitão-mor, e estando no Restelo para partirem, e el Rey em Sintra a partir para Belém, e daí a ver partir, lhe veio recado que na nau adoeceram de peste cinco, ou seis pessoas, o que muito pesou a el Rey, e lhe aconselharam todos que não fosse a Belém por o perigo que era. Chamou então Dom Diogo D`Almeida prior do Crato, e D. Diogo Lobo Barão do Alvito, pessoas de muita autoridade, e disse-lhes, que lhes agradeceria muito chegarem a Belém, e de sua parte dizerem a Álvaro da Cunha, e aos fidalgos e cavaleiros que com ele iam, que lhe pesara muito os acontecimentos que na nau houvera, por não os ir ver como desejava, por ser aconselhado que não fosse lá, e que nosso Senhor os levasse, e trouxesse como ele, e eles desejavam. O Prior, e o Barão pesando-lhes a ida, o disseram ao camareiro-mor Aires da Silva, que com licença de ambos disse a el Rey que lhe parecia coisa pouco necessária mandar tais pessoas, e tão chegadas a ele, sem necessidade a um lugar tão perigoso, e el Rey lhe respondeu: Ora pois que se têm medo não vão, que eu irei lá. E ao outro dia levantou-se muito cedo, e foi ouvir missa a Belém, e aí lhe beijaram a mão Álvaro da Cunha, e todos os fidalgos, e cavaleiros seus criados que na armada iam, e acabado deles se despediu, e se tornou a jantar a Sintra. (*)

CRÓNICA DE D. JOÃO II

Garcia de Resende

* – Transcrição sumária do autor.

Publicado na página online do Jornal de Sintra em 03.04.2020.

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