José
Rentes de Carvalho nasceu em Vila Nova de Gaia em 1930.Filho de
transmontanos, estudou Línguas Românicas e Direito na Universidade de
Lisboa. Por razões políticas foi obrigado a sair de Portugal e viveu no
Rio de Janeiro, em São Paulo, Nova Iorque e Paris. Trabalhou como
jornalista para O Estado de São Paulo, o Correio Paulistano, O Globo, e na revista O Cruzeiro. Mudou-se
para Amesterdão, em 1956, para trabalhar na embaixada brasileira.
Colaborou com o Diário Popular e depois com o semanário Expresso. Fez um mestrado na Universidade de Amesterdão, apresentando uma tese intitulada "O povo na obra de Raul Brandão". Após
a reforma continuou a carreira de jornalista e romancista. Colaborou em
várias publicações portuguesas, brasileiras, belgas, e holandesas. Algumas obras: O Rebate, 1971; A Sétima Onda, 1984; Ernestina, 1998; A Amante Holandesa, 2003.
Vencedor do Grande Prémio de Crónica da Associação Portuguesa de escritores, com Mazagran,
que reune crónicas publicadas nos jornais holandeses NRC-Handelsblad e
Volkskrant, entregue em Sintra em 10 de Dezembro de 2013, respondeu a
algumas perguntas:
1- Como se definiria o Rentes de Carvalho, como pessoa?
Mau
grado a idade seria incapaz de me definir como pessoa. Ainda me conheço
mal e provavelmente vai-me faltar tempo para desenvolver o estudo de
mim próprio, actividade parecida com outra que já não está em moda: a da
educação permanente.
Como
é costume dizer, vou andando, tento manter-me dentro da decência do
comportamento e, nem sempre com paciência, resmungando pouco, aceito o
destino que me coube.
2-A
sua escrita reflecte uma visão muito própria da sociedade e dos seus
valores. Que valores predominam hoje na sociedade portuguesa com os
quais se revê?
Também
aí me vejo com dificuldade de responder, pois numa sociedade em
situação de desespero como a portuguesa, a noção de valor, ou do que
possam ser os valores, é condicionada pelas circunstâncias, e essas são
forçosamente afectadas. Em situações de medo e aflição, de poucas ou
nenhumas perspectivas de melhoria, o comportamento dos cidadãos não é o
mesmo de quando o futuro parece rosado. Hoje em dia quase parece um
sonho, a maneira como os portugueses encaravam a vida em meados dos anos
90.
3- Quem são para si os grandes escritores portugueses da actualidade?
Como
aprecio a paz e o sossego é pergunta a que não responderei, e disso me
desculpo. Por outro lado, português ou não, raro é o escritor que não se
sente o melhor e mais importante de todos. Se os outros discordam é por
excesso de doentia inveja.
4-
Acha que um blogger é um escritor que não arranjou editor ou é um
repentista que gosta de se ouvir a si próprio? Há uma literatura do
tempo das redes sociais?
Os
blogues foram uma preciosa descoberta, uma benção, permitem a muita
gente suportar desilusões, mantendo visível a prosa da sua feitura. Hoje
em dia o editor é dispensável, pois publicar, mesmo virtualmente, está
ao alcance de todos.
Claro
que há uma "literatura" das redes sociais e, provavelmente, aqui e ali
encontram-se textos de boa prosa, mas com uma tão colossal quantidade e
fragmentação, seria impossível separar o trigo do joio.
5-
Há muito radicado na Holanda, o que o Rentes de Carvalho traria para
Portugal do espírito holandês e daqui levaria para a Holanda?
Para
a Holanda levaria o sol que aquece tanto o corpo como a alma, levaria a
paisagem, a boa cozinha, a nossa maneira de conviver, de ter tempo
(mesmo quando o não temos). Da Holanda traria a correcção, a
pontualidade, o espírito cívico, a persistência em acabar o que se
começa, a capacidade de empreender e de arriscar, a convicção de que o
que se rouba ao Estado é um roubo a nós próprios e ao vizinho.
6- Acordo Ortográfico: sim ou não?
Um definitivo NÃO.
7-
Considera-se um português típico, naquilo que ele tem de génio, e
também atávico, ou os longos anos fora já o tornaram um cadinho de
culturas?
Português
típico não serei, pois já todos os compatriotas me ultrapassam na
estatura, mas sou português de gema, entranhadamente nacional e
orgulhoso de sê-lo.
8- Veio
a Sintra receber o Grande Prémio da Crónica da APE. Que sentimentos lhe
suscita Sintra? Tem alguma particular recordação ou história passada em
Sintra que nos queira relatar?
De
Sintra só se pode dizer bem, admirar a paisagem e recordar que, por
muito boas razões, há séculos maravilha quem a visita. Fora receber este
prémio, o que de mais bizarro me aconteceu em Sintra foi acompanhar um
dia um cavalheiro holandês que, gostando do local, e sentindo-se
poeticamente próximo de Byron, queria comprar uma quinta. Visitámos umas
quantas e, finalmente, impressionado pela desdém com que o estrangeiro
desdenhava de tudo, o agente imobiliário levou-nos a visitar a Quinta da
Bacalhoa, que nessa altura, 1982, se encontrava à venda. Acompanhados
por um simpático senhor que, de uma ou outra maneira, se encontrava
ligado à propriedade, visitámos o que havia para visitar, inclusive um
curioso poço. Em determinado momento falou-se de preço, e foi então que o
holandês teve de arrepiar caminho, pois ele nem de longe possuía
semelhante capital, descobrindo-se então ser ele apenas um sonhador
enleado na sua própria megalomania.
Fotos de Pedro Tomé
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