CARLOS MANIQUE DA SILVA
Miguel da Rosa e Silva nasce na freguesia de S.
Martinho de Sintra em 29 de setembro de 1743[1]. Nessa
mesma vila residiria até ao seu falecimento (14 de maio de 1809), sendo,
ademais, sepultado na Igreja da Santa Casa da Misericórdia[2]. Pelas
notas aditadas ao seu registo de óbito, sabemos que era solteiro e que habitava
na antiga rua da Meca, contígua ao Paço Real.
Desconhecemos pormenores a respeito
da condição social dos ascendentes de Miguel da Rosa e Silva, constatando-se,
ainda, que os seus primeiros anos de vida permanecem na obscuridade. Na
verdade, é sobretudo a partir da idade adulta, designadamente depois dos 30
anos, que as fontes de arquivo permitem reconstituir a factualidade do seu
percurso (pessoal e profissional).
Dadas as enunciadas limitações, a
nossa análise situar-se-á a partir de 1773, precisamente o ano em que Miguel da
Rosa e Silva é nomeado professor régio de gramática latina na vila de Sintra
(Comarca de Torres Vedras). De resto, a sua nomeação consta da listagem de
professores elaborada pelo governo do Marquês de Pombal, despachada em 10 de
novembro do citado ano, após consulta da Real Mesa Censória[3].
No quadro da reforma dos “estudos
menores”, implementada por Pombal através da Carta de Lei de 6 de novembro de
1772, são criados no Reino de Portugal 837 lugares para professores de
filosofia racional, retórica, língua grega, gramática latina, bem como para
mestres de ler, escrever e contar; verificou-se, assim, a necessidade de
recrutar um conjunto muito significativo de docentes.
A localização no Arquivo Nacional
da Torre do Tombo do Livro 1.º dos Exames
de Gramática Latina feitos nesta Secretaria da Real Mesa da Comissão Geral
sobre o Exame e Censura dos Livros, permitiu-nos saber que Miguel da Rosa e
Silva, na qualidade de opositor ao magistério, foi examinado pelos professores
António Félix Mendes e Roberto Nunes da Costa, corria o dia 28 de maio de 1773.
A avaliação foi a seguinte: sabe muito
bem gramática: traduziu os Autores com desembaraço, e bom Português, e não
verteu mal o Português em Latim[4]
Nomeado titular do lugar por um
período de três anos, com um vencimento anual de 100$000 réis, Miguel da Rosa e
Silva viria a ser confirmado por resoluções de 6 de março de 1777 e de 16 de
agosto de 1779.
A partir de 1781, a vida de Miguel
da Rosa e Silva conhece um novo e prestigiado caminho. Na verdade, para além
das funções desempenhadas no âmbito do magistério, passa a integrar os quadros
sociais da Santa Casa da Misericórdia de Sintra
A Lei de 28 de junho de 1759 concedeu a todos os
professores régios “privilégios de nobres”. Gozando desse privilégio, mas não o
invocando, Miguel da Rosa e Silva, em 1 de julho de 1780, dirigiu uma petição à
Mesa da Misericórdia de Sintra no sentido de ser aceite na Irmandade.
Regulamentada nos termos do Compromisso, a entrada de novos elementos na
Misericórdia constituía um processo algo moroso, sendo exigido que os Irmãos que neste número houverem de ser
recebidos fossem homens de boa consciência, e fama, e
tementes a Deus, modestos, caritativos, e humildes. Além do mais, eram
impostas sete condições cumulativas, tanto para admitir Irmãos nobres como para
admitir Irmãos oficiais (de menor condição, que exerciam um ofício mecânico), a
saber:
a) Pureza
de sangue;
b) Livre
de infâmia;
c) De
idade conveniente (isto é, maior de 25 anos no caso de ser solteiro);
d) Que
não servisse a instituição por salário;
e) Que
tivesse “tenda” se fosse de ofício mecânico;
f) De
bom entendimento e saber [ler e escrever];
g) Abastado
de maneira a que não caísse em necessidade e que sobre ele não houvesse suspeita
de se aproveitar.
Procurando dar despacho à petição
apresentada, a Mesa da Misericórdia designou, na forma estatuída, dois Irmãos
para procederem a averiguações sobre o requerente; o resultado, expresso em 30
de janeiro de 1781, foi o seguinte:
Senhor
Provedor e mais Senhores:
Pretende
Miguel da Rosa e Silva, professor régio de gramática latina, ser admitido por
Irmão desta Santa Casa, e informando-nos das suas qualidades com exata
diligência e segundo o expresso no capítulo 1.º § 3.º do Compromisso, achamos
que nem no suplicante nem nos seus ascendentes se verificam as condições
citadas no mesmo capítulo, sem que em alguma delas haja a menor dúvida que
repugne a sua aceitação; é, outrossim, o suplicante sujeito capaz de ser
admitido no número dos Irmãos nobres, por que o emprego que está exercendo o
isenta de toda a mecânica, não só em razão do mesmo emprego, por ser arte
liberal, como também por especial mercê de Sua Majestade concedida por uma lei
a todos os professores régios, como o suplicante é; por todas as mais virtudes
que nele se conhecem, e são a todos notórias, se faz digno da mercê que
suplica.
A aceitação na
Misericórdia de Sintra ocorreu em 4 de março de 1781, na qualidade de Irmão
nobre, sendo, para o efeito, determinante o privilégio de nobreza concedido por
Pombal.
O prestígio de
Miguel da Rosa e Silva e a confiança que inspirou podem ser aferidos através dos
cargos que desempenhou na Misericórdia, desde o ano em que foi admitido.
Ano
|
Cargo
|
1781-1782
|
Conselheiro nobre
|
1782-1783
|
Escrivão
|
1786-1787
|
Escrivão
|
1789-1790
|
Escrivão
|
1792-1793
|
Escrivão
|
1794-1795
|
Tesoureiro
|
1795-1796
|
Tesoureiro
|
1797-1798
|
Tesoureiro
|
1804-1805
|
Definidor
|
1805-1806
|
Conselheiro nobre
|
1806-1807
|
Definidor
|
1808-1809
|
Definidor
|
Sem nunca ter
alcançado a hierarquia máxima (provedor), Miguel da Rosa e Silva desempenhou
nos primeiros anos a importante função de escrivão (segundo nível da
hierarquia, a par de tesoureiro), passando depois a ocupar-se de assuntos de
natureza financeira (tesoureiro e definidor). Este último dado constitui um bom
indicador no respeitante aos seus recursos materiais, uma vez que, por via de
regra, a gestão financeira era entregue a Irmãos com posses suficientes para
estarem acima de qualquer suspeita. De resto, a pesquisa a que procedemos no
Cartório Notarial de Sintra confirmou de alguma maneira essa ideia. Na verdade,
em novembro de 1801, Miguel da Rosa e Silva adquiriu por escritura pública o
domínio direto imposto numa “morada de casas” na vila de Sintra (na rua da
Meca?), por 300 réis anuais de foro; tal aquisição, conforme foi deixado
expresso, destinava-se a habitação. Por outro lado, passado um ano, encontramos
Miguel da Rosa e Silva, enquanto senhorio direto, a aforar duas terras em
Morelinho; justamente o lugar onde os seus ascendentes residiram.
Ao fechar este
texto, importa chamar a atenção para a necessidade de biografar outros
educadores do século xviii, no
sentido de constituir um “arquivo de autores”. A este respeito, deve ser
referencial a obra dirigida por António Nóvoa (Educadores Portugueses, Edições ASA, 2003), a qual se reporta aos
séculos xix e xx.
[1] IAN/TT, Registos paroquiais da freguesia de S. Martinho de Sintra, Livro 2
de Batizados, fl. 62 v.
[2] Idem, Livro 4 de Óbitos, fl. 3
v.
[3] Cf. Joaquim Ferreira Gomes, Duas
listas de professores: uma elaborada pelo governo do Marquês de Pombal e outra
pelo de D. Maria I, Revista História das
Ideias, 1982, vol. IV, p. 46.
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