Ainda o
Festival de Sintra cuja programação detalhada tive oportunidade de partilhar
convosco na última edição deste jornal. De algum modo, se hoje volto ao
assunto, faço-o com um diferente objectivo ao qual, como verificarão,
dificilmente me poderia subtrair.
O regresso tem
a ver com as justíssimas referências ouvidas no MU.SA à Senhora Marquesa de
Cadaval, inicial e principal mentora desta prestigiada iniciativa cultural, que
também patrocinou ao longo de várias décadas, para benefício de sucessivas
gerações de melómanos.
De tal forma
a sua figura se tornou indissociável do Festival que bem pode falar-se de uma
omnipresença que, tão significativamente, se mantém mesmo depois de nos ter
deixado em 1996 e, em especial, em
vésperas de celebrar o meio século de edições já no próximo ano. Ora bem, a
partir deste momento, vão permitir que introduza uma vertente pessoal.
Senhora Marquesa de Cadaval, meu mito
Além de
balizarem um tempo de contemporaneidade da vida musical portuguesa, estas
também são datas que fazem parte da minha cronologia
pessoal. Comecei a frequentar as primeiras edições do Festival de Sintra, ainda
criança, de calções. E cá estava a Senhora Marquesa de Cadaval. Pela mesma
altura, sempre pela mão de meu pai, também em Lisboa, via a Senhora Dona Olga
nos recitais e concertos, fossem os do Ciclo de Cultura Musical ou do Festival
Gulbenkian e outros, quando, nos anos cinquenta, fui iniciado no gozo da boa
música, ao vivo, nos auditórios.
Nessa época,
para mim, a Senhora Marquesa já era um mito. E tão impressivo como alguns dos
grandes músicos russos que ela própria se empenhou em trazer a Portugal num
período em que isso não era nada fácil. Estou
a vê-la, por exemplo, no Coliseu, quando cá veio o David Oistrakh, há 54
anos, interpretar o Concerto para Violino em Ré Maior de Beethven, com a
Orquestra da Emissora, sob a direcção do Maestro Pedro Freitas Branco, seu
grande amigo…
Totalmente
fascinado pela sua personalidade, a coisa
mais natural deste mundo acabaria por suceder muitos anos mais tarde
quando, com Mário João Machado na produção, João Santa Clara na realização, me
envolvi na concretização do projecto
Marquesa de Cadaval, uma vida de cultura, o filme biográfico de que somos
autores João Pereira Bastos e eu próprio.*
Para o
efeito, entrevistámos amigos, como Maria de Jesus Barroso Soares, Jorge
Sampaio, João Paes, Nella Maissa, Maria Germana Tânger, Luís Pereira Leal ou
Luís Santos Ferro – este último como uma colaboração de grande destaque – bem
como grandes artistas que beneficiaram do seu desinteressado mecenato, como
Daniel Barenboim, Stefan Kovacevitch, Nelson Freire ou Olga Prats.
Não tem
descrição o que, a nível pessoal, aprendi e partilhei. De seu admirador desde
criança, posso dizer, sem qualquer ponta de presunção, que passei à condição de
membro do círculo dos seus mais afectos,
portanto, daqueles que, por todos os meios ao alcance, não perdem oportunidade
para lhe honrar a memória e divulgar a sua tão importante como discreta obra.
Por tudo
isto, não admira que, na passada sexta-feira, durante a referida sessão de
apresentação, além do júbilo, também muito me tivesse emocionado com as
informais e tocantes alusões à Senhora Marquesa de Cadaval e à Quinta da
Piedade, por parte quer do Prof. Adriano Jordão, actual Director Artístico do
Festival quer do Presidente da Câmara Dr. Basílio Horta, quando se dirigiam a
Teresa, Condessa de Schönborn-Wiesentheid, neta da ilustre patrona do contíguo
Centro Cultural.
Pública promessa
Mantendo-me,
tal como indica o título, sob a égide da Senhora Marquesa, confesso que estava
à espera das palavras que ouvi de louvor ao trabalho de um seu grande e bom
amigo pessoal, o Dr. Luís Pereira Leal que, durante cerca de trinta anos, foi
competentíssimo Director Artístico do Festival de Sintra. A ele devemos, tanto
em tempo de maior desafogo financeiro como no das recentes dificuldades, a
vinda a Sintra dos mais consagrados intérpretes e de jovens valores do universo
da música. Estou certo de que, a breve trecho, a CMS não perderá a oportunidade
de concretizar a homenagem que é devida.
Finalmente,
uma promessa que tem foros de compromisso público do maior realce. Com a
satisfação que se lhe adivinha por poder concretizar tão auspicioso anúncio, o
senhor Presidente da Câmara, informou e, perante a insistência de Adriano
Jordão, confirmou que, em 2015, por ocasião da sua quinquagésima edição, o
Festival de Sintra vai ter meios especiais para poder apresentar uma
programação digna de Salzburg!... Nem mais nem menos!
Enfim, com
os «descontos» que se me impõem perante a tão generosa hipérbole do Dr. Basílio
Horta, eu que, há tantos anos, tão bem conheço a esplêndida oferta de Salzburg,
adivinho, nas suas palavras, isso sim, um empenho digno da jubilar efeméride e
da memória de quem foi a grande impulsionadora do mais sofisticado produto
cultural de Sintra.
*O documento
biográfico, com cerca de uma hora de duração, foi apresentado pela primeira vez
no Centro Cultural Olga Cadaval, em 17 de Janeiro de 2014, por ocasião do
aniversário natalício da Senhora Marquesa de Cadaval, já depois de ter sido
adquirido pela RTP que assegurou os direitos exclusivos de teledifusão nacional
e internacional pelo período de cinco anos. Logo que possível estará disponível
no mercado uma versão em DVD.
[João
Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
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