Desde que voltara de Angola,
retornado do império, Alípio Gomes não mais saíra do país.
Bancário, casado e sem filhos, dividia o tempo entre o balcão de Pêro
Pinheiro e despreocupados verões na Manta Rota, num apartamento alugado à
época. A sua grande ocupação era a construção
duma vivenda no Sabugo, a dez minutos do emprego, onde com Adelina
passaria o fim dos seus dias, tranquilo, os cinquenta iam pesando já.
Certo dia, durante um almoço de
colegas, empolgados pela conversa e pelo Old Parr, um grupo do banco
combinou ir a Milão ver o Benfica com o Inter, na era Camacho, depois do jogo
aproveitariam para três dias em passeio. Benfiquistas ferrenhos, passavam os almoços
lembrando jogos de outros tempos, os mais empolgantes sempre contra os
lagartos, se bem que o Antunes da contabilidade, leão acérrimo, sempre lembrasse os 7-1 do tempo de Manuel José. Adelina não gostou muito da ideia, quatro
homens em Itália não era algo que lhe agradasse muito, mas lá anuiu, a promessa
de perfumes e chocolates amenizou o facto de ficar sozinha. Mas teria de lhe
ligar todos os dias, e agasalhar-se, que estava a nevar, bem vira na televisão,
levar gorro e luvas, e medicamentos para a azia, as pizzas não a convenciam.
Até partirem, os dias foram passados
a combinar detalhes, e em sussurro, as facadinhas no matrimónio que
haveriam de dar. Mal chegassem seria tiro e queda, dizia o
Amaral, a barriga obesa da imperial e tremoços a comandar as operações, as
caras metade ficariam em casa a ver novelas. À cautela, Alípio até comprou uma caixa de Viagra, nunca usara, mas à solta em terras de Sofia Loren não
passaria o tempo apenas a ver o Scala de Milão, há muito que nem à
noite saía, só para visitar o sogro na Azambuja.
No dia aprazado lá partiram livres
das mulheres, os colegas que não iam a desdenhar das alegadas facadinhas, já no
aeroporto, juntaram-se à parafernália de cachecóis dos lampiões, prometendo quatro golos sem
resposta.
Em Milão nevava copiosamente e
batedores da polícia aguardavam para conduzir os autocarros com a falange do
Glorioso ao estádio, ao som de “Benfica!”
e “SLB!”. Desafiador, um fã do Inter
profetizava 2-0 com os dedos em riste. O jogo foi logo nessa noite, com o Giuseppe Meazza a abarrotar de lampiões, numa enorme faixa lia-se “Pêro Pinheiro presente”, ideia do Pascoal. Já a viagem na Alitália
deixara as hospedeiras atarantadas com os gritos de guerra prometendo a vitória
dos encarnados, Milão que se cuidasse que não ia ser ópera, mas baile…
O jogo foi renhido, mas contas
feitas, o Inter, desmancha-prazeres, acabou ganhando 4-3, a partir de Lourel o Antunes enviava mensagens pelo telemóvel, foram de carrinho mas viriam de
carroça. Depois do balde frio inicial, era preciso afogar as mágoas e
partir à caça das ragazzas, por certo ansiosas pelos temerários portoghesi,
todos primos do Cristiano Ronaldo, menos na barriga, na careca e no resto.
Mais viajado, o Pascoal descobriu
um bar com show erótico,
do varão para o sofá e do sofá para a felicidade. Com ar maroto, o Alípio esfregou as mãos, um
Viagra azul estava já de parte. Não que precisasse, ia apregoando, mas por causa das tosses,
nada como fazer para melhorar a performance, no
fim, elas é que pagariam para estar com eles, iam ver. A Adelina não deu por ele os
ter comprado, era uma semana de liberdade e a vida são dois dias, afinal. Um contratempo, porém: no dancing não aceitavam cartão, só cash,
e juntos não tinham euros que chegassem. Foram a outro, mas novo
percalço: entrada só com sapatos de couro, o Barbosa, suburbano, ia de ténis,
coisa de pobre, chingou o Alípio, tinha de ser ele a estragar a festa. Num
outro, sugerido por um polícia, os preços eram caros, e até para tocar
nas bailarinas havia que pagar, o table dance era mais caro que
nos bares de alterne lá da zona. Com a coisa complicada, acabaram por ir
para o hotel e alugar filmes para ver nos quartos.
No dia seguinte, a descoberta de Milão e partida para o Lago de Garda, uma paisagem de postal salpicada de
pitorescas aldeias. Aí chegaram noite cerrada, o hotel era num vilarejo onde
fechava tudo às dez, bebidas só no hotel, ficaram à conversa sobre a equipa
do Benfica dos anos sessenta com o barman. Adiado, o comprimido azul era um peso morto na bagagem. No último dia, de volta
a Milão, com o dinheiro escasseando,
a miragem da facadinha era cada vez mais miragem, ao Antunes haveriam de inventar cenas tórridas, para o lagartão se babar de inveja.
Apesar dos dias bem passados, a
prometida investida transalpina ficou-se pelo convívio. Valera a pena, apesar
de tudo, no avião de regresso até encontraram o Toni, velha glória dos
encarnados.
De volta à rotina e entregue a
prenda à Adelina, os relatos no bar do Hélder asseveravam a facilidade com que
haviam conquistado a Itália, apesar do penalty que não foi penalty.
Nos dias seguintes, o quotidiano do banco, as baboseiras do Antunes, o regresso
às obras no Sabugo.
Uma semana mais tarde, ao jantar, a Adelina apareceu branca como a cal da parede:
Uma semana mais tarde, ao jantar, a Adelina apareceu branca como a cal da parede:
-Estás bem, amor? Já eram saudades do
maridinho, não eram?
-confortou Alípio, dando uma garfada no bife.
-Não, não. Não sei o que tenho, estou
com uma enxaqueca terrível. Olha, de manhã até tomei um comprimido azul daqueles que
levaste a Milão. Mas não ajudou, acho até que fiquei
pior!
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