sábado, 15 de fevereiro de 2014

Sintra, cenas pouco edificantes na Estefânea

JOÃO CACHADO
Licenciado em Filologia Germânica e Ciências Pedagógicas, técnico superior dos Ministérios  da Educação e Negócios Estrangeiros

Sábado passado, pouco passava das seis e meia da tarde. No Centro Cultural Olga Cadaval, determinado evento estaria prestes a começar. Muita gente ainda a chegar em sucessivas vagas de automóveis. Apenas um pouco mais abaixo, na igreja de São Miguel, já tocam os sinos pela última vez antes da missa das sete. E, ali mesmo, junto ao templo, uma vez terminadas as actividades do dia, alguns escuteiros aguardam pela chegada das famílias.
Os carros foram deixados onde é proibidíssimo, em plena Praça Dr. Francisco Sá Carneiro, no segmento da Rua Câmara Pestana em que se transita nos dois sentidos. Muitos mais são os irregularmente estacionados na parte ascendente da Rua Adriano José Coelho. Parados e já fazendo fila na Heliodoro Salgado, ainda mais, pretendem entrar na praça, uns por via do evento, outros porque era quase hora da missa. Mais adiante, a caminho da Correnteza, depois das capelas mortuárias, também há viaturas em cima do passeio do lado direito…
Às tantas parou tudo. Estava completamente esgotado o estacionamento no beco que é o Bairro das Flores. Ali não tendo encontrado lugar, muitos condutores já não conseguiam entrar na referida praça quando quiseram regressar enquanto outros, apesar do flagrante impasse, insistiam em descer, apenas se rendendo à evidência, como São Tomé, ou até que alguém os dissuadia. Mas era impossível fazer inversão de marcha. Chegara-se ao limite. Já não havia qualquer hipótese e, mais uma vez, no coração do Bairro da Estefânea, estava montado o grande espectáculo de rua dos dias de enchente do CCOC…
De todos os quadrantes, as inevitáveis buzinadelas e também os impropérios da ordem. Em determinada altura, em desespero de causa, alguém sai do carro, arma-se em agente da autoridade, com muitos e largos gestos, combinando o que fazer com quem vem em sentido contrário. Depois, muito lentamente, o cenário lá vai mexendo, pouco a pouco, escoando o despautério. E, naturalmente, no final do espectáculo, quando os donos de todos aqueles carros começarem a abandonar o local, vai haver mais do mesmo ou pior.
Repetem-se amiúde episódios análogos. Inúmeras, como sabem, as vezes que os tenho trazido a estas páginas. São anos e anos de desleixo institucional. Muito cansaço por sucessivas denúncias e chamadas de atenção que, não surtindo qualquer efeito positivo, apenas resultam numa inenarrável camada de frustração, partilhada por quem ainda não desistiu de continuar a intervir cívica e civilizadamente no sentido de obviar a ocorrência desta e doutras situações congéneres.
Continuemos. Aqui mesmo morador há quarenta e tal anos, naturalmente, acompanhei a obra de remodelação do Cine-Teatro Carlos Manuel que deu origem ao Centro Cultural. Assim como não parece possível que o edifício não tivesse sido dotado de um cais para movimentação expedita de cargas e descargas, comprometendo a própria rendibilidade do CCOC, também não passa pela cabeça de alguém que se tenha desperdiçado a oportunidade de construir um parque de estacionamento dimensionado às necessidades em presença. No entanto, infelizmente, foi precisamente isso o que sucedeu.
Tal como outros cidadãos, também me preocupei com o assunto. Incomodei-me. Fui a reuniões, quis esclarecer-me. Esbarrei com a esfarrapada justificação de que as características geológicas locais não permitiam a solução de parque subterrâneo. Mesmo que assim fosse, alternativas podiam ter sido equacionadas e a verdade é que não foram. Enfim, que responsabilidade tremenda a de quem assim decidiu porque os perniciosos resultados de tal omissão não podem ser mais evidentes.
Autoridade ausente
De qualquer modo, perante a evidência do que invariavelmente sucede, como justificar a ausência da autoridade policial? Se a Administração da Empresa Municipal SintraQuorum sabe que a promoção dos eventos de sua responsabilidade gera situações de controlo difícil, porque não coopera no sentido de garantir as condições necessárias e suficientes à manutenção da ordem e da segurança? Exactamente por se tratar de uma empresa municipal, não tem responsabilidade acrescida? Não somos nós, cidadãos e munícipes de Sintra, que a viabilizamos? Porque não articula a sua actividade com a PM de Sintra?
Então, de uma entidade que promove actividades de recorte cultural, não se espera uma atitude informada, responsável e culta? No contexto da empresa municipal que espalda todas as iniciativas que ali se concretizam, por um lado, o CCOC depende e, por outro, responde perante mesmo executivo autárquico, eleito pelos cidadãos para que exerça a autoridade democrática de que ficou investido na sequência das eleições locais, executivo autárquico aquele que também superintende à Polícia Municipal. Então, como entender a desarticulação?
E, sem qualquer margem para dúvida, quando chamada a intervir junto ao CCOC, por ocasião de importantes reuniões – como foi o caso, em Novembro de 2011, do X I Congresso Mundial das Cidades Património Mundial – verifico que a PM de Sintra actua com inequívoca competência. Então, cumpre perguntar porque não se aproveita, em todas as eventualidades, esse saber fazer da autoridade municipal com o objectivo de evitar as perfeitas cenas de terceiro mundo que ocorrem nas redondezas, pondo em risco a segurança de pessoas e bens?
Numa noite como a do passado sábado, à volta do CCOC, todas as ruas ficam irremediavelmente armadilhadas devido ao caótico estacionamento. Longe vá o agoiro, mas já pensaram que, no caso de ocorrência de um incêndio num dos prédios da zona, por exemplo, na Praceta Dr. Arnaldo Sampaio e, muito menos, numa dquelas estreitas ruas onde um automóvel um pouco mais largo já tem dificuldade em circular, pura e simplesmente, lá não conseguiria chegar o socorro dos bombeiros?
Tão simples…
Não se entenda das minhas anteriores considerações que acuso a SintraQuorum de incapacidade. Dentre as empresas municipais de Sintra é esta a que melhor conheço, tendo tido oportunidade de acompanhar algumas das suas actividades ao longo dos anos. Está dotada de pessoal muito capaz, competente e da maior dedicação, colaboradores dentre os quais mantenho amizades que muito me honram. Não, não considero haver incapacidade mas sublinho a necessidade de alertar, o mais veementemente possível, para uma falha que urge remediar com toda a pertinência.
Neste mesmo contexto, e, no que à autoridade policial concerne, igualmente se espera que actue integradamente com o CCOC que, por sua vez, tudo faça com o objectivo de orientar os espectadores para soluções civilizadas de estacionamento das suas viaturas, através de prospecto e de planta impressa no próprio bilhete do espectáculo, indicando o percurso até ao parque mais próximo, isto é, junto ao edifício do Departamento do Urbanismo.
Claro está que, entretanto, tal espaço de estacionamento, permanente e informalmente utilizado durante os dias úteis e em horários laborais, deveria ser requalificado, tendo em consideração:
1. instalação de iluminação pública adequada; 2. serviço de policiamento por ocasião dos eventos nocturnos, (altura em que está vazio, aliás, como também aos domingos), e 3.recolocação urgentíssima da absolutamente imprescindível ponte metálica para atravessamento pedonal, (com rampa de acesso para deficientes), ou seja, o meio mais expedito e eficaz de ligação entre os bairros da Portela e da Estefânea, desembocando na zona pedonal da Heliodoro Salgado, a dois ou três minutos do próprio CCOC.

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