JOÃO CACHADO
“(…) não me serve de consolo constatar o que sempre soube: onde os interesses materiais vingarem como fim, o homem não será. É aterrador pensar, mas é a realidade: sem o dom poético, sem a simples capacidade de sermos maravilhados pelo vivo, a liberdade de consciência está condenada a definhar. Por mim e por vós, foi essa liberdade que fui defender (…)” [Maria Gabriela Llansol, jornal Público, reproduzido no Jornal de Sintra em 4.4.2008]
No domínio da cidadania activa, apesar de algo adormecida nos últimos tempos, a verdade é que motivos não faltam em Sintra, para que um forte movimento cívico acabe por mobilizar os cidadãos no sentido da defesa dos seus interesses, em sectores tão críticos como, por exemplo, transportes públicos, estacionamento em zonas críticas da sede do concelho bem como acesso a destinos turísticos cujo enquadramento ambiental é tão interessante e desejável como especialmente crítico.
Em momentos de impasse, como aquele que vivemos actualmente, é a própria História recente que se encarrega de nos recordar a pertinência daquelas palavras. Afinal, até nem é necessário dar especial trabalho à memória para ter presente que não há mais de treze anos, fez História um movimento cívico que atirou Sintra para a ribalta da comunicação social, tanto na imprensa, como na rádio e na televisão, ocupando espaço e tempo significativos nos noticiários e telejornais.
E, lembrando o evento, como não salientar a atitude de Maria Gabriela Llansol naquela altura? Se quem não a conheceu pessoalmente, não pode calcular como sabia preservar-se num mundo de descrição que não autorizava fosse minimamente desrespeitado, parece difícil entender como o seu envolvimento na luta contra a construção do parque pode ter sido tão empenhado, tão evidente, tão manifestamente público.
É verdade que estava em curso um atentado ao património cultural de Sintra. É verdade que, para a Maria Gabriela, a Volta do Duche fazia parte de um especial património de entes muito importantes do seu acervo demiúrgico. Portanto, mesmo em projecto, já se adivinhava, e ela sabia que uma perda irreparável se insinuava. De tal modo a violência se fizera sentir que, apesar da sua proverbial reserva e de ter tecido à sua volta um casulo de grande resguardo, não hesitou.
Veio a público, acompanhou-nos numa jornada de esclarecimento no terreiro do Paço da Vila Velha. Escreveu um texto lindíssimo ao qual me sinto particularmente ligado porque mo leu, ao telefone, procurando opinião, antes de o enviar para o jornal “Público” que o publicou no dia 8 de Dezembro de 2001. Nesse seu escrito, de empenhado compromisso cívico, há momentos lapidares, como o da epígrafe, que lemos e relemos, aplicáveis a todos os tempos e lugares.
Com esta lembrança, além dos cidadãos anónimos, pretendo sensibilizar as mulheres e homens das Letras e das Artes de Sintra, os professores e os jovens. Para que, tal como Maria Gabriela Llansol, se sintam mobilizados para a luta em defesa de um estacionamento de qualidade, de transportes públicos eficazes, de acessos civilizados a todos os locais.
Estas são as questões de cultura pelas quais surgem os movimentos cívicos. Parece que acontecem sem anúncio, sem publicidade. Mas pressupõem um trabalho de sapa. Coisas que tais não se anunciam. Fazem-se. Fazem-se aparecer. E, quando aparecem, parece emergirem do profundo alçapão da latência em que fermentaram… Pela dignidade de todos, pelos valores da cidadania activa, pela Democracia.
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