José Alfredo Costa Azevedo, o cronista de Sintra do século XX descreveu nas suas crónicas do Jornal de Sintra,
depois reunidas em livro, a história da vila no dealbar da primeira
metade do século XX. Uma das zonas por si em detalhe analisadas foi o
então “novo” bairro da Estefânea, resultado da expansão urbana da Vila
Velha com a chegada em 1873 do Larmanjat, o efémero “tramway”
monocarril, primeiro, e do comboio depois, em 1887. Baptizado em
homenagem à rainha D.Estefânea, a jovem e malograda esposa de D.Pedro V,
esse bairro compreendia a zona “nova”, a partir dos Paços do Concelho
(também eles recentes, inaugurados em 1909, construídos no local onde
antes estava uma capela dedicada a S.Sebastião, demolida em 1904) e as
actuais Av.Nunes Carvalho e Largo do Morais(embora a ligação à Portela e
Lourel seja hoje quase contínua, detenhamo-nos nestes limites.
Numa viagem ao passado, com fotos de hoje, uma memória de locais onde se fez História, embora a Memória hoje nem sempre retenha.
Começamos pelo edifício contíguo ao recente Espaço do Cidadão.
Aí
funcionou a Escola Oficial Conde Ferreira, homem rico que falecendo
jovem e sem filhos deixou em testamento que se construíssem 120 escolas
para ambos os sexos em vilas sede de concelho. Nesta escola exerceu
durante muitos anos António Joaquim das Neves, conhecido pelos antigos
como Mestre Neves e que foi tio do antigo Presidente do Concelho Marcelo
Caetano, e depois regente de português na Escola Primária Superior, que
existiu em Sintra, na escola do Morais entre 1919 e 1925. Este mestre
Neves foi igualmente avô do jornalista e antifascista Mário Neves.
Ao longo da actual R.Alfredo Costa (médico, o mesmo da maternidade em Lisboa), alguns edifícios de nota.
Logo
à esquerda, a antiga estalagem da Raposa e actual sede do Espaço
Llansol, por aí ter também vivido durante alguns anos essa escritora
nossa contemporânea.
Este
edifício foi propriedade do abastado proprietário José Antunes dos
Santos, que aí viveu e morreu, e aí viveu também o Dr. Álvaro
Vasconcelos, presidente da Câmara entre 1930 e 1938 (foto abaixo)e
muitos anos conservador do Registo Predial de Sintra e presidente nos
anos 40 e 50 da União Nacional.
No
nº 9, foi a tesouraria das Finanças, e um clube com jogo clandestino no
tempo da monarquia, e aí teve escritório o advogado Porfírio de Sousa
Martins.
Na
cave do prédio com entrada pelo nº28 existiu o Clube dos 40, fundado em
1928, que mais tarde se mudou para o local da actual Pensão Nova
Sintra.
Neste
pátio foi igualmente a estação do Larmanjat, o efémero monocarril que
Saldanha entendeu introduzir em Portugal depois de o ver em
funcionamento em França.
No
nº30 existiu uma vivenda, já demolida, chamada Casa das Magnólias onde
viveu o republicano e governador civil de Lisboa depois da República
Eusébio Leão.
No
r/c dos nº 38 e 39, a actual Casa dos Frangos, muitos anos passou o
Verão João de Deus, o autor da “Cartilha Maternal”. No 1º andar
funcionou a Loja Maçónica Luz do Sol, de que foi Venerável o médico
Gregório de Almeida, de que fizeram parte José Bento Costa, Nunes Claro,
Virgílio Horta e o próprio José Alfredo, com o nome de “António
Oliveira”.
Dr. Gregório de Almeida
O
chalé avermelhado do lado oposto da rua foi propriedade do comandante
Fernando Branco, um dos criadores da esquadrilha de submersíveis
portugueses e ministro dos Estrangeiros e da Marinha, e avô do
presidente Jorge Sampaio. Também o pai deste, o médico Arnaldo Sampaio
aí residiu, mantendo-se a casa na esfera da família.
No
prédio verde onde durante anos funcionou o Departamento de Urbanismo e
as Varas Mistas do Tribunal de Sintra, agora de novo um serviço
camarário, morou há muitos anos Carlos dos Santos Silva, um dos
fundadores do Banco Fonsecas, Santos e Viana, mais tarde Banco Fonsecas e
Burnay.
No
prédio com o nº 43, viveu no período de Verão o general Correia
Barreto, primeiro ministro da Guerra depois da República e que aqui
faleceu em 15 de Agosto de 1939.Em 1900 inventou a pólvora sem fumo.
Aqui foi homenageado pela Banda da Sociedade União Sintrense, depois de os revoltosos monárquicos de Monsanto terem sido repelidos, e ovacionado pelos populares.
Aqui foi homenageado pela Banda da Sociedade União Sintrense, depois de os revoltosos monárquicos de Monsanto terem sido repelidos, e ovacionado pelos populares.
No
53 viveu a Ti Gertrudes, ou a “Bonecreira”, a parteira da terra, que
durante anos ajudou a vir ao mundo centenas de crianças em Sintra.
De
seguida passamos ao Largo D.Manuel, anteriormente chamado R.Vasco da
Gama. As pérgolas e arranjo urbanístico do local são do tempo do capitão
Craveiro Lopes, presidente da Comissão Administrativa depois do 28 de
Maio e mais tarde Presidente da República, sendo vereador responsável o
capitão Mário Alberto Soares Pimentel, então presidente da Comissão
Municipal de Iniciativa e Turismo.
Antes destas obras, haviam aqui uns barracões onde a CP fazia a recolha das carruagens.
À
esquerda fica a Correnteza, antes Av. Barão de Almeida Santos, grande
amigo de Sintra. Na rua paralela, R.Francisco Gomes de Amorim, viveu
este escritor, no nº3. A rua tem o seu nome desde 1899.
Ao
fim da rua, actual acesso à Biblioteca Municipal, ficava a casa que a
viúva Mantero adquiriu a um tal Peixoto, proprietário do nº15, depois da
trágica morte dum filho deste num acidente de viação na Volta do Duche.
Toda
esta fiada de casas teve inicio com a construção do Larmanjat, para
alojar os engenheiros que vieram trabalhar na linha, pois a viagem até
Lisboa nesse tempo não permitia deslocações diárias como hoje.
Uma
curiosidade: foi por influência de Tomé de Barros Queirós, o homem que
proclamou a República em Sintra, e tinha uma casa na rua com o seu nome
desde 1926, que a partir de 1913 se iniciou o arranjo urbanístico deste
jardim.
E
curiosamente, os candeeiros hoje ainda aí existentes vieram da sua loja
em Lisboa, conforme se pode verificar a uma aproximação atenta.
Contornando
a Correnteza para a R.Câmara Pestana chegamos ao Centro Cultural Olga
de Cadaval. Nos anos 30 funcionou aí o Sintra-Cinema
Só em 1948 foi inaugurado o Cineteatro Carlos Manuel, projecto do arquitecto Norte Júnior mandado construir por António Marques de Sousa.
Só em 1948 foi inaugurado o Cineteatro Carlos Manuel, projecto do arquitecto Norte Júnior mandado construir por António Marques de Sousa.
Onde
fica o Centro de Arte Moderna foi muitos anos o Casino, de Norte Júnior
também e mandado construir por Adriano Júlio Coelho.
Funcionou nos anos 20 com récitas e espectáculos, entre eles os do Orpheon de Sintra, e foi adquirido pela Câmara nos anos 50, tendo depois lá funcionado a Escola D.Fernando II e as Finanças. Em 1997 abriu como Centro de Arte Moderna, albergando alguns anos a Colecção Berardo, e agora sub-utilizado. O Orpheon de Sintra funcionou até 1927 e chegou a ter duzentos elementos.Uma imagem de 1927:
Funcionou nos anos 20 com récitas e espectáculos, entre eles os do Orpheon de Sintra, e foi adquirido pela Câmara nos anos 50, tendo depois lá funcionado a Escola D.Fernando II e as Finanças. Em 1997 abriu como Centro de Arte Moderna, albergando alguns anos a Colecção Berardo, e agora sub-utilizado. O Orpheon de Sintra funcionou até 1927 e chegou a ter duzentos elementos.Uma imagem de 1927:
Tornejando
para a Av. Heliodoro Salgado (deixaremos outras artérias para outra
ocasião), algumas notas soltas, entre a cacofonia existente pouco digna
dum burgo como Sintra.
Esta
artéria, hoje pedonal, chamava-se anteriormente D.Maria Pia, no tempo
da monarquia, e tem hoje o nome dum maçon e jornalista que nada tem a
ver directamente com Sintra, mas com o fervor republicano de alguns dos
dirigentes da época. Anteriormente era mais estreita, e parcialmente
ajardinada do lado esquerdo na direcção do Largo Afonso de Albuquerque.
A 1 de Maio de 1974 assistiu à maior manifestação que até hoje teve lugar em Sintra.
Em frente do supermercado houve em tempos um varão de ferro onde os saloios amarravam os burros quando vinham às compras.
Onde fica a pastelaria Tirol( inaugurada em 1950) funcionou uma carpintaria, de um Raio, da Várzea de Sintra.
Atrás
do prédio onde ficava o Jornal de Sintra existiam terras e terrenos de
cultura, tudo conhecido como o Casal dos Cosmes. No prédio de gaveto,
existiu um hotel com o nome de Europa.
Na
zona destes prédios hoje em recuperação, existiu antes de 1931 um
estabelecimento de recuperação de bicicletas, propriedade de António
Augusto de Carvalho,(foto abaixo) vencedor da I Volta a Portugal em
Bicicleta, em 1927.
Descendo
na direcção da Av. Miguel Bombarda, antes José Luciano de Castro, temos
o Café Elite, inaugurado em 14 de Outubro de 1937, e onde se realizaram
muitos saraus com o Estefânea Jazz, (foto abaixo) grupo criado em 1930
por Martins de Oliveira (quem diria…).
A
estação dos caminhos de ferro sofreu inúmeras alterações no tempo de
Adriano Júlio Coelho (o do Casino). O primeiro comboio eléctrico chegou a
Sintra em 29 de Novembro de 1956.
Em frente da estação fica o Café Cynthia, que anteriormente se chamou Bijou.
Onde fica hoje o parqueamento frente à estação, esteve previsto o Hospital de Sintra, projecto de Pardal Monteiro(abaixo)
O Presidente da República da época, Teixeira Gomes, chegou a vir a Sintra lançar a primeira pedra. Mas como outras obras, nunca saiu do papel...
O Presidente da República da época, Teixeira Gomes, chegou a vir a Sintra lançar a primeira pedra. Mas como outras obras, nunca saiu do papel...
Descendo para os Paços do Concelho, na primeira casa morou o arqueólogo Félix Alves Pereira.
E
um pouco mais à frente, onde hoje fica o Café Saudade, foi a fábrica de
queijadas da Mathilde, fundada em 1850. Depois de encerrada, ali
funcionou um escritório de advogado, a papelaria ABC e uma agência de
viagens.
Finalmente,
onde fica hoje o restaurante Apeadeiro, inaugurado em Setembro de 1970,
foi a tipografia Minerva Comercial Sintrense, de João Roberto Rosado,
que em 1966 se transferiu para a R.João de Deus.
Pouco
alterada pelo tempo, mas para pior, Sintra não tem sabido estar à
altura dos seus antepassados. Produto dum casuísmo urbanístico, deixando
degradar casas com História, aqui se deixa este “relambório” para que,
pelo menos, muitos de nós ao passar na sua rotina diária por estas
pedras e paredes silenciosas se lembrem que também aqui se fez Sintra,
infelizmente quase sem memória para os seus habitantes de hoje.Talvez só
a sombra de José Alfredo contemple a sua vila e suspire, contendo a
vontade de como em 1934 voltar a tocar a rebate os sinos da igreja da
Torre da Vila contra os atentados já então anunciados. Josés Alfredos,
precisam-se!
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