sexta-feira, 25 de abril de 2014

O 25 de Abril 40 anos depois

JORGE TELLES DE MENEZES
 
Havia heróis e vilões, como em qualquer história. Heróis eram a maioria, todos aqueles que no seu íntimo sabiam que "aquilo", a ditadura, a censura, o terror das prisões, as guerras, a miséria, o atraso, o subdesenvolvimento mesmo, a injustiça, porque no seu íntimo a maioria sabia que "aquilo" estava mal, sim, a maioria que eram também os que sofriam mais, sabia. Por isso bastou um golpe militar para que essa maioria saltasse para a rua e dissesse bem alto: esta é a minha hora!

Eu estava de volta a Portugal depois de oito anos no estrangeiro, a que chamaríamos hoje o último império colonial, eu era um viajante, estava de passagem para uma Europa por que muito tinha ansiado. Era um pré-retornado, ou alguém que regressa, não para ficar mas para partir. Dava-me muito mal com a falta de liberdade pessoal, fui forçado pela história a ser um rebelde na minha adolescência, a qual ainda não tinha terminado, nem sei se terminou alguma vez...

Nessa madrugada, nessa alvorada rara, nesse dia que se tornou no dia mais importante da minha existência, porque como Português assim o sinto e sei, eu estava naturalmente de viagem. Eu sabia tudo sobre a injustiça das guerras, sobre os direitos dos Africanos, aos dezasseis anos de idade vi com os meus olhos o que era uma prisão da Pide em cenário de fundo de guerra, li, estudei, conheci vários nacionalistas, encontrei gente que estava contra o sistema, em Luanda, em Johannesburg, na então Lourenço Marques, li a sua poesia, conheci os seus pintores, estudei a sua etnografia, tornei-me Poeta em Luanda, bela mãe de Poetas, e agora estava em viagem, Alentejo adentro, na madrugada ímpar da minha vida. Como português, ainda que desenraizado, tinha uma missão que a mim próprio destinei. Era esta a de levar dois amigos moçambicanos refractários ao serviço militar obrigatório até junto da fronteira espanhola, sendo o meio de transporte uma carrinha Volkswagen conduzida por um jovem alemão que conhecera em Sintra. Saímos assim de Sintra na madrugada libertadora, deixei-os a todos junto da fronteira e regressei. Ao meio-dia do dia 25 de Abril eu estava em Grândola. As peripécias continuaram, mas não vamos segui-las agora aqui.



Olho para trás, quarenta anos depois dessa noite, continuo a ser um viajante, sedentário embora, mas continuo a viajar nos mundos por onde sempre, afinal, viajei: os da poesia, da filosofia, da música, cinema e outras artes mais. Olho agora à minha volta, e digo: não reconheço o país em que vivo, devo sofrer de algum estranho síndroma de viajante... O Povo, todos nós, transformámos Portugal, "isto" não tem nada a ver com o que estava para trás. Hoje temos um futuro, porque temos liberdade. Somos livres, apesar desta sensação de liberdade ser partilhada muito desigualmente pelos Portugueses. O bolo que é produzido por todos os que diariamente laboram foi aprisionado por autênticas organizações de malfeitores, pelo mais refinado crime organizado que imaginar se possa, mascarado para agradar às massas que ilusoriamente buscam nos apelativos candidatos reflexos de uma vaga honestidade, que toda a gente sabe não existir neles, mas vota como que hipnotizado neles, apesar de saber que eles são desonestos. É certo que mudámos a infra-estrutura do país, mas as mentalidades são o mais difícil de mudar. Continuamos a ser prisioneiros do provincianismo reaccionário, tudo sabe a pequeno, asfixiante. Mas vieram novas gerações de Portugueses, mais livres, pelo menos mais educados, embora a falta generalizada de ética na governação da nossa sociedade seja um perigo corrosivo sempre presente.
Valeu a pena? A Liberdade vale todas as penas deste mundo. Desde que sejamos livres teremos sempre um futuro. Esse é o sentimento que cada Português deve, a meu ver, transportar sempre consigo como bilhete de identidade: o ser livre! Sejamos, pois, livres quanto baste para nos livrarmos para sempre de uma classe política corrompida, marioneta nas mãos do grande capital financeiro. Já tudo foi dito sobre eles, mas não mexem uma palha para mudar o sistema que a eles tão bem serve, enquanto afundam o nosso ser colectivo, permitem o roubo da nossa riqueza, hipotecam o desenvolvimento, seja ele qual for do país. Sei que nós temos uma tendência para um criticismo radical que se torna balofo por irrealismo, a cegueira ideológica ou outra impede-nos de ver com objectividade o todo, mas não posso deixar de me afligir com o calamitoso estado da Justiça nesta desvairada República. É uma trágica realidade que pesa sobre todos nós como uma sombra ameaçadora. A sua degradação é inconcebível, inimaginável em qualquer outro país ocidental. E se não há justiça, se sempre o rico ganha, se o próprio Estado se comporta como um malfeitor ao ser completamente permissivo com os mafiosos organizados dentro da classe política, ou com a sua cumplicidade, então devemos interrogar-nos se a Democracia resultante do 25 de Abril está realmente a funcionar bem, e a resposta só poder um rotundo não!
Os partidos governativos só se regenerarão por fortes impulsos éticos vindos do exterior, da sociedade. Por dentro eles tornaram-se sindicatos de variados interesses, logo sem capacidade para entenderem o todo. A melhor forma de os penalizar é não votar neles, é esse o meu apelo aos Portugueses: não votem em políticos mentirosos! Por uma política com ética, transparência, rotatividade de funções, de abnegado serviço ao público, por um Estado que não deva dinheiro aos cidadãos e pague a tempo e horas, um Estado que dê o exemplo, um Estado guia e modelo para outros Estados. O ideal seria um Estado intrincado de tal modo na sociedade que acabasse por se dissolver nela. Hoje, temos o direito sagrado e absoluto de exigir um Parlamento em que nenhum deputado seja simultaneamente representante de importantes grupos financeiros e económicos. Um presidente da República sem qualquer mácula de corrupção e de preferência não saído das áreas partidárias, uma Justiça independente, séria, incorruptível, livre, amiga dos pobres e dos fracos.

1 comentário:

  1. Sintra precisa HOMENS assim e o pais tambem, Um abraco de paris

    ResponderEliminar