O usufruto dos terrenos baldios nas pequenas
comunidades de génese rural é uma questão, podemos dizer, de quase sobrevivência
tanto ao nível individual como colectiva. Porém, e porque são baldios a sua
gestão tem através dos tempos conhecido várias vicissitudes, por um lado, mas
proporcionando, por outro lado, um rico manancial de regras tradicionais locais,
de prática engenhosa que, secularmente, se foram consolidando no Direito
Consuetudinário.
A verdade é que, a posse
dos baldios conheceu várias alternâncias entre a posse pura colectiva das
comunidades locais e a posse plenipotenciária de instituições, sobretudo
canónicas e, ou de gente com poder, decorrente do seu peso político e prestígio
junto da Coroa ou das autoridades. É neste contexto que devemos entender este
Alvará Régio de D. José I passado a Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão do
Marquês de Pombal.
Da leitura deste Alvará Régio sobressaem
várias pistas interessantes: a primeira, prende-se com a movimentação na esfera
de influência politica em torno da Rainha, D. Mariana Vitória, de quem as
mulheres da família eram aias; A segunda pista, também muito interessante,
prende-se com o formalismo de máxima legalidade que o Rei põe na mercê dos
“baldios” do Algueirão à família. É assim pois na realidade os terrenos não
eram verdadeiros baldios, uma vez que integravam uma Doação Régia, ao tempo de
D. Afonso Henriques, à Canónica de Santa Cruz de Coimbra dos Cónego Regrantes
de Santo Agostinho. Tratava-se de uma enorme extensão de terras, cuja
designação era o de Prazo de Meleças, e no qual os ditos “baldios” compunham
uma área considerável de terreno consignado, desde os primórdios, ao pasto de
gado que a toponímia local consagra com a designação de Pascigaes > Possilgaes
> Pexiligais. Todos de derivados do radical Latino pas[cigos] que significa pastos.
Contudo, e ainda pela
leitura do Alvará, verificamos que o Rei, também viu uma oportunidade para
incorporar nos seus bens parte da propriedade, neste caso os terrenos de pastos
que estavam, cremos, devolutos e provavelmente eram utilizados pela população
local, ao tempo, assegurando que não podiam: “pessoas ou eclesiásticos em
comunidade” possuir terras em reguengo que estes baldios passaram a integrar,
razão pela qual eram, separados, murados e marcados. Acção de que ainda, na
actualidade, existem vestígios, no terreno, como muros e marcos em pedra.
A leitura deste alvará Régio ainda não está
completamente esgotada. Com o tempo, seguramente, sobressaíram outros aspetos
interessantes para a História Local do Algueirão. Para já fica esta primeira
abordagem.
Marco de delimitação de 1765
Muramento do baldio da Barrosa-Algueirão
Alvará Régio de 1765
Paulo de Carvalho
e Mendonça
Tem A. [lvara] na p. [agina] 13
de S. [ua] Mag.de [estade] f. [olha] 409
Eu Rey, fasso saber aos q’ [ue] este meu alvará virem q’ [ue]
Paulo de Carv.o [alho] / e Mendonça
Me presentou por sua p.am [etiçam] q’
[ue] elle era possuidor de um cazal / sito no
termo de Cintra denominado de granja de N.S.ra da Nazaret o qual /
necessitava e pudesse fabricar do[a]s m.das[anadas] boys, vacas e egoas q’[ue] no tempo de Inverno não / podiam nella subsistir porque
consistia em terras baixas alagadiças destituídas de / moitas com arvoredo que
servissem de abrigo aos sobreditos gados e q’[ue]
lhe dessem pasta / gens necessárias para se poderem no referido tempo cujos os
motivos sendo pre / zente à Raynha minha sobre todas m.to[uito] amada e prezada mulher havemos /
porbem fazer m.ce[ercê] ao
suplicante da porção do baldio no sítio do Algueirão q’[ue] constava / da carta de doação, q’[ue]
seja separada com a faculdade de a poder tapar (isto é: murar e arborizar) e de
ficar / perpetuamente vinculada ao sobred.o[ito]
cazal da granja com uso leg.mo[ítimo]
pasto e / abrigo dos gados da sua lavoura no tempo do Inverno E porq.[ue] de mayor fir / meza e perpetualidades das
referidas graças necessitava de confirmação Mi / nha pedia [que] fosse servido fazendo lhe m.ce [ercê] confirmar as doações e permissão de podus / se
em todo o tempo continuar a lavoura e creação dos gados do referido / cazal sem q’[ue]
aos seus sucessores do sup.e[licante]
se pudessem suscitar duvidas de legitimidade de que viessem / a levantar
embaraços. Dispensando eu também da ordenação do L.o [ivro] Seg.do [undo]
/ Art.o [igo] 16 e 18 q’[ue] proieibiam as pessoas e eclesiásticos em
communida.des possuírem / bens nas terras do reguengo visto q’[ue] o mesmo sup.e[licante]
unia a referida tapada / ao do cazal de que já tinha feito doação a seu irmão o
Conde de Oeyras a fa / vor da sua caza e não obstante outo fim q’[ue] o referido baldio q’[ue]
se devia tapar / se acha no limite da coutada de Cintra. E atendendo ao p.o
[edido] do sup.e [licante] Me apre / sentou hey porbem aprovar e
confirmar a doação desta porção de baldio / no sitio do Algueirão no te.o [rmo] da V.a [ila]
de Cintra deq’[ue] a Raynha minha sobre todas m.o[uito] / amada e prezada mulher fez mce[ercê] ao mesmo sup.e[licante] por carta de 28 de / Março por ser producente
na forma q’[ue] nelle se contém E quero e man /
do q’[ue] tenha o seu devido esplenado apesar
nas obstante a desposição da Ordena / ção do L.o[ivro] Seg.do[undo]
art.o[igo] 16 e 18 concedendo o d.to[ito] baldio q’[ue] se ade murar dentro no / limite da
coutada da referida V.la e de quaisquer seus regimen.tos
disposições / ordenem em contrário. Pelo q’ [ue]
mando a todas as justiças e mais pessoa q’ [ue]
/ o conhecim.to [ento] deste Alvará
pertense o cumprão e guardem e o fassão (……..….) / cumprir e guardar como nelle
se conthem e valem posto q’[ue] O sulicita.mos
E aja de / durar mays de hum anno sem embargo da ordenação do L. Seg.do[undo] a.o[rtigo]
40 (……) / E se registara as marca.ções que se fizerem e constar a
todo o tempo q’[ue] o houver / porbem E pagou de
novos dir.tos[eitos] 1480 reais q’[ue] se carregarão os honorar.os[ios] / delley [n]a f.[olha] 219 e v.o [erso]
do L.o [ivro] S.o [egundo] de sua receita E se registou com conhecimen.to
em forma / [pública] no L.o [ivro] do Reg.to [isto]
G.al [eral] [de
Mercês] f.a [olha] 30. Lx.a
[isboa] 11 de Mayo 1765 = Rey = sigla Real //
Pedro Virgolino o fez e escreveu = José Anastácio Guerreiro o fez.//
Assinatura Real
Nomenclatura:
Optamos por fazer uma
transcrição do texto, do documento, respeitando a sua pontuação e construção de
frases, apesar de este apresentar uma grafia por vezes abnóxia. Desdobramos as
abreviaturas entre parêntesis rectos “[ ]” e, dentro destes, os caracteres que
completam a palavra são postos por nós a vermelho “[!]”. Na indicação de mudança de linha, na transcrição
é feita, é assinalada com a barra oblíqua “/”; o paragrafo é assinalado com
dupla barra obliqua “//. A não realização de leitura de palavra é assinalada
com reticências dentro de parêntesis curvos.
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