1-PERSONAGEM VAZIA: “Bernardo
Soares”, do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, personagem tão
plasticamente vazia, entediante, arrastante, lenta, amolentada, meditabunda,
aporética e céptica de um cepticismo que nada de nada conclui, que de si – um
permanente nada - só nada pode sair. Em “Bernardo Soares”, penetramos num
labirinto mental onde não só não existe critério diferencial seguro de
separação entre verdade e falsidade, realidade e ficção, como igualmente não
existe critério que demarque a existência da não-existência, gerando na alma do
leitor uma vertigem de vazio que rapidamente o conduz a um nada de nada
nivelador do todo da existência.
2-PERSONAGEM TRÁGICA: “Margarida
Dulmo”, de Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio. Personagem caracterizada
por um sentimento de falha, arrastando a existência em contínuos desencontros
sociais e permanentes frustrações individuais,compensados por um forte desejo
de fuga para a frente, gerador de novas iniciativas,rapidamente goradas. É a
tragédia actual, pela qual os desencontros, os acasos, as perfídias
subterrâneas, as pequeninas vaidades humanas, desembocam na mais pura e
inviolável das rotinas: a anemia social, a indiferença, a passividade, o
absentismo e, sobretudo, a resignação e a renúncia ao sonho. Margarida casa com
André Barreto,salvando da falência e da ruína a casa dos Dulmos. Em troca,
Margarida abafa os sonhos singulares de juventude, resignando-se a uma existência
rotineira, parasitária, uma existência vazia. É nesta ausência de futuro - que
não seja o futuro do tédio - que reside o elemento trágico da existência de
Margarida. Neste caso, a tragédia não reside na vontade de lutar ou no desejo
de desafiar, mas na sua renúncia e na consequente interiorização de um profundo
luto pela vida que nunca se terá. A tragédia - a pior das tragédias actuais –
evidencia que, depois do seu casamento com André, Margarida não tem biografia,
deixou de haver História para Margarida, estará viva para os filhos e para a
sociedade e morta para si própria. Qual a diferença entre a nova existência de
Margarida e a existência de Antígona entaipada?
3-PERSONAGEM COSMOPOLITA:
“Fradique Mendes”, de Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queirós.
Uma personalidade não indiferentista e não ecletista, mas suficientemente
distante dos sistemas filosóficos, das crenças religiosas e das políticas
institucionais para os poder severamente criticar, mas também suficientemente
interessado e empenhado para os poder vivenciar. Neste sentido, Fradique, um
comprometido intelectual e um descomprometido político, é um humanista, algo
que falta com abundância na nossa literatura, costurada de personagens
extremadas.
Fradique é, no que tem de melhor,
todos os homens de todas as civilizações, não segundo uma visão eclética e
sincrética de reunir uma parte de cada tipo de homem de cada civilização, mas,
segundo uma visão humanista e universalizante, antropologicamente ideal, a
síntese suprema de todos os homens: de todos os intelectuais e sábios, de todos
os viajantes e nómadas, de todos os poderosos e distintos, de todos sacerdotes
e crentes, de todos os servos e trabalhadores…
4-PERSONAGEM COLECTIVA: A
“arraia-miúda” da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, e fundir hoje a
vontade, o ânimo, a força, a coragem do Joaquim serralheiro, da d. Isabel da
Caixa Geral de Depósitos, da d. Fernanda do Garden Center, do Aníbal motorista
da CP, da professora Ivone de Português, do Vasques alfaiate, da Vanessa do
shopping, do sem-abrigo Octávio, do taxista Adrião, do Pereira do Sporting, o
taberneiro Olegário, muitos, muitos mais, o editor Paulo, o intelectual Pedro,
todos juntos, unidos “como os dedos da mão”, contra os poderosos da
Governadoria, expulsando os eternos imbecis e incultos que nos governam,
refundando Portugal, promovendo a “sétima idade do mundo” de Fernão Lopes, a
“terceira idade do Mundo” de Agostinho da Silva e Natália Correia, o “Quinto
Império” de Vieira e Pessoa, uma sociedade abastada, libérrima, igualitarista,
sem dois milhões de pobres e oito milhões de ignorantes culturais, onde os bons
livros não vendem mais que uns escassos mil exemplares e os óptimos quinhentos.
5-PERSONAGEM HISTÓRICA: “Fernão
Mendes Pinto”, o “pobre de mim”, narrado pelo próprio em Peregrinação. A
personagem cafrenalizada do português miúdo à solta no Império, liberto da
moral cristã e da lei do reino, profanador de túmulos, pirata do rio, canibal
se preciso, rapinador de aldeias, abandonado ao exclusivo fito de enriquecimento.
Mas também capaz de suprema devoção (F. Mendes Pinto faz- se jesuíta em Goa e
assim viaja com São Francisco Xavier para o Japão). Seria hoje um perfeito
adorador de Nossa Senhora de Fátima: todo o ano autor de ladroagens e
crueldades; em 13 de Maio, profundo religioso, implorando perdão dos pecados
que, com prazer, comete ao longo de todo o ano.
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