quinta-feira, 6 de março de 2014

A Cultura da Incúria

RICARDO DUARTE




Quando Terry Eagleton ou Peter Burke concluíram que a Cultura não mais é do que um conjunto de significados partilhados, estariam longe de imaginar certamente que tão concisa e pertinente reflexão, pouco viesse a servir para iluminar grande parte das mentes de quem tem responsabilidades no tratamento daquele vital factor da condição humana.

De região para região, comunidade para comunidade, os factores (significados) variam, o que faz com que uma política cultural tenha que ser personalizada, adaptada, ao que a sua Cultura suscite. Ter uma política cultural é pois muito mais do que fazer mera divulgação artística, organizando eventos ou apoiando financeiramente Instituições. No que a Sintra diz respeito, tem o concelho realidades culturais bastantes díspares, desde logo pela existência de uma área predominantemente urbana em oposição a outra de cariz rural e que integra também o Centro Histórico de Sintra e a área classificada de Património Mundial. Nesta última como factores culturais podemos identificar desde logo e sem aprofundadas reflexões, a componente do Património, natural e edificado, a íntima ligação com a economia do Turismo e a forte ligação das suas gentes aos lugares por via da assumpção de elementos identitários.

Ora, é-nos familiar ouvir constantemente de diversos responsáveis, autárquicos e de Governo central, o seu gosto pela Cultura e a sua preocupação em lhe prestar a devida atenção. No entanto, até no seu discurso impera o desmazelo. São conhecidos os concertos para violino de Chopin tanto do agrado de Santana Lopes, a “Utopia” de Thomas Mann (em vez de Thomas More) lida por Cavaco Silva ou a “Fenomenologia do Ser” que só na cabeça de Passos Coelho foi escrita por Sartre. A nível local, também o discurso é pródigo em confusões. Confusão entre a Quinta da Amizade e a Quinta da Alegria; o Palácio da Gandarinha ter sido “uma casa para meninas”; ou a Volta do Duche ser “a entrada de Sintra”. Haverá certamente coisas mais graves, mas a impreparação e o desleixo são gritantes. Sai a Cultura (e a Memória) maltratada.

Um estudo de caso: a Agenda Cultural.

Regra geral, todo o Município a tem. Privilegiando-se as iniciativas artísticas, de estrutura mais ou menos coerente, é um documento universalmente conhecido. Mas, que agenda cultural merece Sintra? Pegando na existente, (que ao que consta vai acabar em suporte físico, ficando resumida à edição digital…) à vista saltam logo um conjunto de incongruências e a estrutura formato “saco de gatos” onde tudo cabe. Na secção ‘Monumentos’, encontramos: Parque da Liberdade, Parque das Merendas, Parque dos Castanheiros e… Parque Natural Sintra-Cascais! Em ‘Parques e Jardins’ impera uma iniciativa relacionada com falcoaria protagonizada pela empresa Parques de Sintra – Monte da Lua. Incompreensível num documento deste tipo é o elenco de diversos serviços camarários, farmácias existentes, restaurantes e bares. O cúmulo é atingido com a publicitação de espaços que já não existem ou que nunca existiram. A fotografia aqui presente retrata um local indicado no bairro de São Pedro como um bar e que outrora não foi mais do que uma taberna. Hoje está ao abandono. Não merecerá a restauração um documento de divulgação específico, enquadrado até numa estratégia de apoio ao comércio local? Não deverá a Câmara Municipal contemplar na sua política cultural, estratégias de divulgação diversificadas consoante as características das diferentes realidades existentes? Não deverá cuidar pela informação que divulga ou patrocina, de forma a não se deixar ligar a situações tão ridículas como a que anteriormente é demonstrada?

Incúria e banalidades.

Ano após ano é esperado que o marasmo e o desleixo que tomaram conta de problemáticas do quotidiano se desvaneça. Os problemas são conhecidos e deveras apontados por diversos cidadãos comuns dedicados à intervenção cívica. Contudo, de responsáveis apenas se houve estafados discursos recheados de lugares comuns. Ora se evidenciam lendas e narrativas respeitantes ao imaginário sintrense. Outras vezes cita-se Byron que em Sintra não passou mais do que algumas horas. Esquece-se Oliva Guerra ou Francisco Costa, entre outros, exemplos “menores” para dialécticas onde tais nomes, a estarem presentes, nem soam bem. É inquestionável que tudo na vida dá trabalho, até mesmo pensar. E certo é também que custa tanto fazer bem como fazer mal. A diferença está na postura que se toma. Que mude o paradigma. Que a cultura de uns deixe de atentar à Cultura de todos.



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