Está a
chegar, despertadas, as Criaturas da Mata anunciam a sua presença, sinos do
submundo tocam, arautos da cor e clorofila, despertando o perfume nas flores.
Tonitruante, toda a nação dos pássaros toca a rebate, comandada por zelosas
andorinhas, voltadas do Grande Sul. Depois do Branco Inverno partir para o sono
de várias luas na gruta-ventre, exércitos de borboletas libertinas invadem os
ares em sagração, poisando em pétalas redentoras, bafejadas por raios
generosos. Poetas estremunhados abandonam os invernosos esconsos, bebendo Luz
e respirando jasmim, na senda da Iniciação Multicolor. É o Começo.
Ostara
chama a reunir, gamos e colibris, crisântemos e girinos, libelinhas e
lagartos, todo o mundo do silêncio convocado pelas forças da Criação, em noite
de Equinócio. No bosque da Cynthia Imortal, lá onde entre oceano e fortalezas
homens ergueram templos à Floresta-Mãe, reúnem em assembleia elfos e
centauros, como sempre, desde a noite dos tempos, a desenhar um anel de luz e
em prece às chuvas, sémen da vida e seiva de renovação. No silêncio cúmplice da
noite, a sagrada chama crepita no altar, ao lado, a revigorante poção dum
druídico caldeirão sacia ressequidos lábios, bafejados por novo
renascimento. Toda a Floresta comparece, e os dias escuros partem, a
terra alberga sementes, o mundo renova a sua Luz.
No altar
sagrado, pejado de grinaldas e ovos, grãos e raízes, o Coelho Pontífice
guarda, sentinela, atento às entranhas de Cynthia, perturbada e perturbante.
De mãos dadas, os convocados, em adoração à deusa liberta do longo
Inverno, entregam-se ao ritual das fragrâncias, viajando entre ramos e
folhas, sulcando o orvalho vitamínico e puro. Toda a Floresta desvairadamente
celebra, num festim de castanhas, pinheiros, verduras e verdes límpidos.
Terráqueos
da montanha colocam flores no altar, no caldeirão, água pura e flores
esperam o momento da oferta, enquanto na clareira, iluminada pela argêntea
Lua, incenso e velas se acendem em acordo com os elementos. Rasteiros e vindos
de Cynthia, assustados terráqueos tocam nas plantas, em busca do milagre da
vida, prometendo amizade e cumprindo o círculo, para depois partirem por
algumas luas, ao encontro de Beltane, Litha mais tarde celebrará o apogeu de
Ostara e o seu declínio, para os entes da floresta e desde a noite dos tempos,
sinal sabido da chegada de Samhein e Yule, e com eles das trevas da gruta em
novo apagar de fogueiras, fugidas do eólico norte e da escuridão da tundra
uivante.
Nas aldeias
de Cynthia, as terras pedem sementes, e as árvores folhagens, chilreios em
beirados prometem fertilidade, logo partirão desbravando céus e mares, noites
e dias, até que o grande astro de novo os traga. Como sempre, Ostara
protegerá Cynthia, antes a fez rude e pedregosa, apoteose do verde agora.
Toda a noite
um fogo redentor aqueceu os terráqueos, com Pã no carvalho chilreando a flauta,
logo em melódico coro acompanhado por rouxinóis e toutinegras. Ao amanhecer,
cristalina e espelhada em frescos lagos, a Primavera reinará esplendorosa, com
o seu ceptro de azevinho e coelhos nervosos saltitando pela floresta. Os avaros
dias do longo Inverno crescerão generosos, frutos e plantas
brotarão, suculentos, cardumes cruzarão os rios, serpenteantes patos se
banharão nos rios atrás de irrequietas rãs.
No ano
seguinte e em todos a seguir, assim será até ao fim dos tempos e até que na
Valhalha Odin junte os guerreiros, esperando o advento do Ragnarok.
Cynthia verá choros, risos, lutos, borrascas, milagres, e sempre no tempo em
que o dia for igual à noite, Ostara voltará, fugaz pitonisa a espalhar
a redentora Luz.
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