Lourenço
Correia Ribeiro nasceu em Sintra em meados do século xvi. Era filho de Simão Dias e de Inês Correia Ribeiro, de
igual modo naturais de Sintra. Porventura, o pai era o mesmo Simão Dias que
figura como provedor da Misericórdia de Sintra nos anos de 1569-70, 1575-76,
1579-80 e 1583-84 (cf. Silva, 1997). A ser assim, Lourenço Correia Ribeiro
seria bisneto de André Gonçalves, almoxarife de Sintra e primeiro provedor da
Misericórdia local. Conforme veremos, a história de vida desta personalidade
revela-se algo singular, justificando o presente apontamento. Em larga medida,
a narrativa basear-se-á nos dados publicados por Silva Marques (1949).
O
percurso de Lourenço Correia conhece maior notoriedade na sua aventura por
terras do oriente. Com efeito, sabemos que partiu para a Índia na armada de D.
Jerónimo Coutinho, corria o mês de abril do ano de 1586, sendo que viria a
falecer em Macau, precisamente em fevereiro de 1598. Nessas paragens dedicou-se
ao comércio e envolveu-se em vários combates. Temos, ainda, conhecimento de que
passou por Moçambique, onde negociou em escravos e emprestou dinheiro. Também
na China se dedicou ao tráfico de escravos, conforme deixa perceber o seu
testamento, lavrado em Goa, no mês de março de 1597 (cf. Silva Marques, 1949).
Silva
Marques (1949) asseverou que as motivações de Lourenço Correia para a empresa
no oriente não estiveram associadas a problemas de ordem financeira. À data da
sua morte, por exemplo, não possuía dívidas passivas e recebia 50 000 réis da
“legítima paterna”. Por outro lado, os inúmeros legados com que contemplou a
Misericórdia, igrejas e conventos da sua terra natal confirmam de alguma
maneira essa ideia (sendo, porém, que terá granjeado bens e capitais durante os
doze anos que permaneceu no oriente).
No
que respeita aos legados, interessa do mesmo modo referir que, sendo Lourenço
Correia solteiro, contemplou parcialmente no testamento os seus herdeiros
diretos (a mãe e dois irmãos). E há dois aspetos que sobressaem do conjunto das
disposições testamentárias. Por um lado, a avultada fortuna pessoal de Lourenço
Correia e, por outro lado, a sua intensa fé e espírito solidário para com os
desvalidos do concelho de Sintra. De facto, ao instituir a Misericórdia como
sua herdeira, atribui a essa mesma instituição uma verba de 500 cruzados para
dotar e casar dez órfãs de Sintra, assim como 50 alqueires de trigo para dar
aos pobres na véspera de Natal.
A
Misericórdia de Sintra acusa a receção do testamento apenas no ano de 1601,
tendo o documento sido enviado pela sua congénere de Macau. A partir desse
momento, procede-se à aplicação dos legados conforme a vontade do testador. No
entanto, dadas as distâncias geográficas, o processo decorre de forma lenta. E,
afigura-se importante dizê-lo, para que as disposições fossem cumpridas muito
contribuíram as misericórdias do oriente, reflexo do seu papel preponderante na
sociedade da época.
Para
termos uma ideia da importância e do alcance dos legados em causa, basta
certamente dizer que, em 1634, havia ainda raparigas de Sintra a receber dotes
de casamento. As dimensões assistenciais ficam bem presentes num outro exemplo.
Com efeito, em 1625, precisamente na véspera de Natal, os pobres dirigem-se à
porta da Misericórdia de Sintra, local onde se distribuíam os alqueires de
trigo resultantes do legado de Lourenço Correia. Em sinal de reconhecimento,
deslocam-se depois para junto do cruzeiro onde rezam pela alma do defunto,
cumprindo-se, assim, a vontade de quem procurou obter redenção.
Referências
Silva,
Carlos Manique da (1997). Provedores da Santa
Casa da Misericórdia de Sintra. Sintra: Santa Casa da Misericórdia de
Sintra.
Silva
Marques, João Martins da (1949). Sintra e
sintrenses no ultramar português. Lisboa: s.n.
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