Da minha janela, distante da realidade das cidades, vejo copas de árvores.Não sei nem pretendo conhecer o número exacto. Interessam-me as tonalidades, semelhantes às de um godé onde diversos tons de castanho, verde e amarelo dançam com a água trazida no pincel. A construção é quase inexistente. Destaca-se o Palácio da Pena que, apesar da sua posição,parece nascer das rochas que se erguem no topo da Serra. Faz parte dela, dialogando com a natureza com a intimidade de quem se conhece há séculos. O mesmo não acontece com o edificado que observo da janela do comboio. A rapidez da construção e a especulação imobiliária sobrepuseram-se à sensibilidade e ao planeamento. Cores, materiais e alturas diferem, originando um enorme caos que se reflecte na vida de quem habita o espaço.
Os blocos de betão revelam-se incapazes de comunicar com o que os rodeia, com a cidade e, consequentemente, com o Homem. O espaço entre prédios, ou a ausência dele, permite a existência de pouco mais que vias, valorizando o carro em detrimento do peão. O espaço público é quase inexistente. As árvores vivem solitárias em vasos esculpidos na calçada que se deforma pela presença de raízes. A sombra das copas mistura-se, aqui, com a dos prédios disformes, criando corredores escuros que nos obrigam a acelerar o passo numa clara manifestação de desconforto. Hoje conhecemos estes problemas e tentamos resolvê-los. Por vezes o espaço ganha, assim como quem o vive. Mas, em muitos casos, existe pouca margem de manobra. No livro "Saber Ver a Arquitectura" Bruno Zevi referiu que "[…] Qualquer um pode desligar o rádio e abandonar os concertos, não gostar de cinema e de teatro e não ler um livro, mas ninguém pode fechar os olhos diante das construções que constituem o palco da vida citadina e trazem a marca do homem no campo e na paisagem." É interessante desenhar o caos, vivê-lo, nem tanto. O urbanismo e a arquitectura têm outras responsabilidades, participando activamente na vida das pessoas que não os podem evitar. Vejo-o da janela do comboio.
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