quarta-feira, 30 de outubro de 2013

No teu olhar

EURICO LEOTE


O teu olhar outrora brilhante e alegre, agora baço, era uma janela aberta sobre os teus pensamentos e pesadelos futuros, para a viagem que brevemente irias protagonizar em busca de melhores dias, levando-nos a viajar no tempo recente, no qual os teus avôs e quiçá os teus pais já haviam efectuado tal viagem por terras estranhas, quando a fome e a falta de trabalho lhes bateu à porta. Chegou agora e infelizmente a tua vez de partires, com a amargura no coração, e a incerteza na mente de uma tal aventura, em tudo semelhante à já anteriormente realizada pelos nossos intrépidos navegadores, na altura e no dizer do poeta, “por mares nunca de antes navegados”.

A história tem o condão e a certeza de se repetir uma ou mais vezes ao longo das várias gerações. Sempre as mesmas razões e os mesmos motivos. Sempre os mesmos objectivos e igualmente a mesma incerteza. Para trás ficam algumas raízes familiares e amigos, coisas e locais que nos viram desabrochar e crescer.

Ainda não partiste e já és perdedor. Lutas para que os teus olhos se mantenham secos, como os rios e ribeiras do teu país em finais de época estival. Ainda não partiste e algo já se quebrou em ti. A alegria que o teu corpo irradiava antes, perdeu-se nessa forçada viagem.

Todo e qualquer sonho que porventura bailasse no teu pensamento, vai mais uma vez ficar adiado, como adiado continua e irá continuar o teu país.

A tua partida, essa, é que não pode mais continuar a ser adiada. Não restam alternativas para a tua busca de uma realização pessoal a qual não consegues concretizar no teu país, o qual não tem capacidade de resposta para as necessidades, que vive embrulhado em si próprio, incapaz de definir um rumo e de se esforçar numa aposta de satisfação individual e colectiva dos seus cidadãos.

Não estão fáceis nem são acessíveis os trilhos que terás de percorrer, lutando por ultrapassar as inúmeras barreiras que irão continuar a surgir no teu caminho e que te imporão dilemas a todo o momento.

Não és só tu que partes, que te debates interiormente, e que lutas para não deixar transparecer o teu estado de alma. Os que ficam são menos reservados e não fazem esforço algum para facilmente derramar umas lágrimas pelos cantos da casa ao verem-te partir, e imaginarem-se afastados dos seus entes queridos.

É necessário colocar o coração mais alto e procurar ser mais racional no pensamento. Vivemos num mundo global e como tal torna-se necessário e urge abrir horizontes, não recear o desconhecido, e partir para a aventura. Novos mundos e novas vivências, experiências aprendizagens e saberes, trocas e partilhas, todos contribuem para o enriquecimento e fortalecimento, para o aprofundamento das competências, bagagens necessárias para ultrapassar os vários desafios que nos surgem e que por vezes somos forçados a enfrentar no nosso percurso de vida.

Vemos ouvimos e lemos e de nada adianta permanecermos indiferentes ao que nos cerca e assalta a todo o instante. Por muito insensíveis que queiramos ou procuremos ser, os problemas, acontecimentos e fenómenos vários que nos rodeiam são de tal forma gritantes, violentos e perturbadores de toda uma ordem social, que nos incomodam, que a todos dizem respeito, que não há mesmo forma de deixar passar ou esquecer, ou mesmo omitir. No mundo global e sem fronteiras onde vivemos, onde as distâncias estão esbatidas e em algumas circunstâncias, à mão de um simples click num botão ou interruptor, com uma actualidade impressionante, que qualquer um de nós quase pode sentir que faz parte integrante daquele cenário, ou é tocado directa ou indirectamente por ele. Todos fazemos parte de uma imensa rede que não se quebra com facilidade, e que ao mínimo alerta de ruptura, logo surgem outros obreiros a compor as brechas. Onde os direitos e conquistas ameaçam ruir e serem rasgados após anos e anos de luta por toda uma classe de trabalhadores votados ao esquecimento e agora atirados para o lixo considerados impróprios e usurpadores de direitos.

1 comentário:

  1. Só quero o que me é devido
    Por me trazerem aqui
    Que eu nem sequer fui ouvido
    No acto de que nasci.

    ResponderEliminar