Majestade
Passam hoje, 29 de Outubro, 197 anos que viestes a este mundo e já muitos desde que dele vos fostes numa noite fria depois da récita em S.Carlos, mas não
feneceu ainda nestes montes de Sintra a repercussão do vosso nome, pelo bem que
fizestes a estas terras e suas desvairadas gentes.
Não faltasse a criação da Academia das Belas Artes de Lisboa,
a salvação da ruína do mosteiro da Batalha e do Templo de Diana, o restauro dos
Jerónimos ou a descoberta da custódia de Belém, feitos pelos quais o Reino
muito vos deve ( e que levou o insigne poeta Castilho a baptizar-vos como Rei
Artista, igualmente em louvor da vossa magistral voz de barítono), faltava o
toque de Midas que se traduziu na celebração da Arte com a construção dos
vossos aposentos e jardins na Penha, santuário de amor a esta Pátria que um dia
fizestes vossa e amastes como seu filho agradecido, por amor a ela tendo
renunciado aos tronos de Espanha e Grécia que vos foram oferecidos.
Sabemos, Majestade, que com a vossa amada condessa Elise
descansais etéreos nos jardins da Pena, ouvindo as cigarras matinais e tratando
as buganvílias e camélias que bordejam o pequeno Chalet agora restaurado, para
vos receber e apaziguar o descanso da alma. Estivemos na reabertura e bem vos
vimos e à condessa, sorridentes atrás dum cipreste, e como emocionados ficastes
quando novas flores foram plantadas, voavam silfos em vosso torno e a condessa, embevecida, acariciava-vos a mão. Muitos dos que cá estamos também
celebrámos, não pela festa dos políticos presentes para o daguérreotipo ou o
croquete, mas porque guardado o Éden, aconchegadas ficam nossas almas e
consciências na hora que passa.
Como sabeis é com pesar e angústia que verificamos que os
Pares deste Reino se digladiam em lutas estéreis em torno dos negócios da
Fazenda, pouco acarinhando o precioso legado por vós erguido, minado ainda por
novas espécies invasoras, não a filoxera ou o oidium, mas sim os automóveis,
essas máquinas horrorosas. Alguns entre os vossos súbditos serão merecedores do
título de guardiães do legado, (e há-os, felizmente) outros, analfabetos do
Saber, apenas se batem por sinecuras e benesses que a fama de administrar o
mesmo proporciona.
Aproveitava para vos pedir que intercedêsseis junto das
autoridades, que não vos deixarão de ouvir, no sentido de acautelar o futuro
desse legado, e hoje, em particular, da Quinta do Relógio, nas encostas da
estrada da Pena, vossa vizinha, cujo futuro as populações vem preocupando, a
fim de que se lhe dê um destino digno e ao serviço da grei e do reino. E claro,
que a nova ministra da Fazenda não seja avara em apoios, se bem que a Prússia e
as potências da Entente se esforcem por a pressionar.
Esperando que vos encontreis de saúde, bem como a Sra
Condessa d'Edla, vossa prestimosa e amada esposa, subscrevo-me com reverência e
consideração.
F., um vosso criado
Boa tarde, interessante. Se me permite, passam hoje 197 anos e não 194, como está escrito. Cumprimentos
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