quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Cacofonias em tons de azul

EURICO LEOTE

Professor do Ensino Secundário aposentado, com passagens por S. Maria (Sintra), básica do Lourel, estágio profissional na Luísa de Gusmão. Complemento de formação em bibliotecas escolares na Escola Superior de Educação de Lisboa. Criador do grupo escolar de teatro Lordes do Caos da Secundária de  Mem Martins. Criador da Associação Cultural Absurdo. Colaborador como professor de teatro na Universidade Sénior de Sintra.



As mós do moinho moíam o milho numa moagem grossa deixando cair alguns grãos que ficavam por moer.

A grande roda rodava num rodopio aproveitando o forte vento que ventava no momento.

As cabaças fixas na grande roda assobiavam num assobio constante e cantante, pungente e uivoso, num uivo repetido e uivado semelhante ao lobo esfaimado que desceu dos montes buscando matar a fome, morto por ferrar os dentes numa boa dentada na carne de alguma ovelha.

O burro burricava à sombra de uma figueira com alguns figos, que de tempos a tempos eram fisgados pelas fisgas dos mais novos. Passeava ligeiro, aligeirado que estava da sua carga de sacas de milho, de pescoço ligeiramente inclinado para baixo, aproveitando a inclinação algo inclinada do terreno onde pastava, rilhando o pasto possível, na possibilidade possível de tão cedo encontrar fausto e tenro manjar, em faustoso campo salpicado de malmequeres e de papoilas.

O seu corpo encorpado principia a ser salpicado por salpicos de pólen e por pequenas flores lançadas em sucessivos lances ao sabor da sucessão de rajadas de vento que tudo arrastavam num acto de arrasto, ventado por uma forte ventania que entretanto se levantara, levantando no ar papéis, papelotes e papelões, sacos saquetas e sacolas.

Forço a retirada retirando-me para um abrigo, onde abrigado observo o observável e ouço o ruído ruidoso de portas portadas e portões batidos fortemente pelo vento que passava passageiro, e que levava o que podia na passada através de estreitas passagens, onde só os grãos de areia passavam, formando areais de arenitos depositados em altos depósitos a despropósito e de duvidoso propósito.

O burro burrico zurrou três vezes e três vezes o eco lhe respondeu levado e trazido pelo vento que agora acalmava o seu ventar dando lugar a uma brisa mais suave, passando a soprar num sopro pleno de suavidade que suavizou o ambiente, conduzindo à ambientação humana e humanizando o ar que se passou a respirar após a passagem felizmente passageira e de difícil respiração, a qual por aparentes breves momentos foi impossível respirar e se não respirou na brevidade do momento.

A roda grande do moinho diminui o seu rodar. As mós rodavam agora calmamente na acalmia do vento, moendo o milho numa moagem mais fina, moída na calmaria calma de um vento agora acalmado após uma fúria furiosa que levou o burro burrico a zurrar furioso, questionando o porquê de tão grande e momentânea algazarra àquela hora matinal.

O sol subia no horizonte, buscando a horizontalidade buscada nos dias grandes e grandiosos de verão, onde o sol é mais soalheiro e tudo fica ensolarado e brilhante com um brilhar especial, especialmente nos olhos do teu rosto, onde olhar-te é ver-te radiosa, irradiando alegria na alegria de te ter comigo no dia a dia e ao longo dos tempos intemporais..

Saio para o exterior abandonando o abrigo onde me abrigara ao abrigo do vento ventado pela forte ventania que ventara momentos antes. Colho nos braços uma braçada de malmequeres de mistura misturada com papoilas vermelhas que salpicam de salpicos avermelhados os verdes campos. Componho um lindo ramo composto pelas rubras papoilas e brancos malmequeres, ato com um cordel de corda feito, e enfeito com o meu sorriso sorridente de alegria e de felicidade.

Saio caminhando pelo caminho que tu caminhas vindo ao meu encontro. Entrego-te o ramo numa total entrega. Dou-te um beijo e partilho o beijo que me dás. Enlaço-te no laço feito pelo cordel de corda e percorremos juntos o caminho que caminhavas quando ao meu encontro vieste.

Passamos pelo burro burrico que agora com tranquilidade rilhava tranquilamente no fardo de palha aí depositado pelo moleiro responsável pelas mós, pelo moinho e pela moagem do milho.

As cabaças entoavam agora uma melodia melodiosa, com suavidade num sussurro suave, sussurrando palavras adocicadas que te sussurrei ao ouvido de forma doce.

Sorriste para mim abrindo o teu sorriso e permitindo que eu partilhasse desse teu sorriso sorridente.

O teu rosto alegre reflectia alegria num reflexo espelhado pelo espelho do sol. Os teus olhos brilhavam num brilho brilhante único porque era meu e só para mim.

Senti-me subir ao céu elevando-me no ar numa leveza única e exclusiva, como exclusivo e único era o teu franco sorriso.

Demos as mãos e de mãos dadas percorremos o caminho que nos esperava e que teríamos de percorrer rumando rumo ao futuro. Sempre em frente de cabeça bem erguida, prontos para ultrapassar todos os obstáculos obstaculizados por quem nada mais sabe fazer, que não seja obstaculizar e erguer barreiras a quem quer vencer na vida.

Caminhávamos confiantes com a confiança própria de quem sabe que a união faz a força, e que a união feita de paz espiritual e plena de amor consegue derrubar todos os obstáculos e barreiras.

Caminhávamos saciados e conscientes de que os pequenos gestos são mais que suficientes para nos encher de felicidade.

Tínhamos aprendido que a dádiva e a partilha das coisas partilháveis e partilhadas, são condição condicionante e fundamental, com todos os fundamentos para se alcançar a paz interior, e interiorizarmos a felicidade comum.


Sem comentários:

Enviar um comentário