André Manique nasceu em Lisboa,
em 1975. Licenciou-se em História pela Universidade Lusíada de Lisboa, em 2002.
Teve formação complementar em áreas directamente ligadas com a História, a
Arqueologia e o Património, como História da Náutica, Cartografia Antiga,
Arqueologia do Navio, Artilharia Antiga, Arqueologia Náutica e Subaquática,
entre outras.
A partir de 2001 começou a
participar em diversos trabalhos arqueológicos, fora e dentro do país. Em 2008,
e já a título profissional, começa a desempenhar funções como Técnico de
Arqueologia e Património, percorrendo o país de norte a sul, em diversos trabalhos
arqueológicos e de salvaguarda do Património, abarcando diversas cronologias,
desde a Pré-História antiga até à Época Moderna e Contemporânea. Actualmente
encontra-se numa intervenção num edifício Lisboeta, um antigo palacete do séc.
XVI, parte dele assente em cima da antiga Cerca/Muralha Fernandina.
Na zona de Sintra, à entrada da
povoação de Janas, existe um casal, primeiramente designado de Miguel Joanes, e
que posteriormente ficou a ser conhecido por Casal da Torre. Para ali chegar,
segue-se por um caminho de terra batida que parte da estrada principal, e cerca
de uns 100 metros adiante, encontram-se umas ruínas de uma antiga capela de
estilo gótico. A Capela do séc. XV do Casal da Torre.
Esse casal pertenceu a Mestre
Henriques, um distinto Medico que durante o reinado de D. Duarte, foi físico
mor do Reino.
Mestre Henriques era um grande
devoto da Ordem religiosa do Carmo, tratando os Carmelitas com particular
veneração, mantendo estreitas relações com os carmelitas do Convento de Lisboa,
o qual havia sido fundado em 1389 pelo Condestável D. Nuno Álvares Pereira. Não
tendo herdeiros e julgando que o seu casal reunia as condições para fundar um
Convento da Ordem em Sintra, resolveu pedir assim licença ao rei. Ainda antes
de lhe ser concedida a licença régia, a 14 de Novembro de 1436, ergue uma
capela, que denomina de Oratório, e que acabaria por se tornar o primeiro
cenóbio carmelita em Sintra. Posteriormente, os monges acabariam por abandonar
o local e instalar-se numa zona sobranceira à serra, próximo de Colares.
Mas eis, antes de mais, como nos
descreve Visconde de Juromenha esse primeiro local, na sua “Cintra Pinturesca”:
“Foi primeiro fundado este Convento no casal da Torre, antigamente
chamado de Miguel Joanes no termo de Cintra, que pertenceo a mestre Henrique,
physico mór d’El-Rei D. Duarte, o qual tendo primeiro impetrado licença do dito
Rei para a sua fundação, [que lhe foi concedida por Carta dada em Lisboa em 14
de Novembro de 1436], deixou em testamento o dito casal, onde já tinha edificado
huma Capellinha ou Oratório, á ordem do Carmo para por sua morte se fundar
naqelle logar o dito Convento deixando por testamenteiro e executor desta sua
ultima vontade a D. Fr. João Manoel, Bispo de Ceuta e Capellão mór.” (Juromenha,
1838, 158)
Mestre Henriques viria a
explicitar no seu testamento que as obras do futuro cenóbio só continuariam
após a sua morte, pois que pelas suas funções e exigentes permanências na
corte, não lhe era possível ausentar-se para o acompanhamento das mesmas.
Acabaria por morrer em 1449, e no ano seguinte, a herdade, os seus bens e as
suas rendas entraram na posse do convento do Carmo de Lisboa, tendo Frei
Constantino Pereira, sobrinho do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, sido
escolhido para fundar o novo convento.
Todavia, e como nos descreve um
frade carmelita do séc. XVII, José Pereira de Stª Ana, o lugar do Casal da
Torre em breve se mostrou inóspito, “assim
pela esterilidade da terra, só própria de pão, e de gados, como pela falta de
vizinhos, que se podessem aproveitar das doutrinas dos Religiosos (...) [e] por
ser totalmente desabrigado [pois] nelle reinaõ com irreparavel furia os ventos,
que saõ nocivos á saude” (Stª Ana, 1751, II:96).
A construção do convento, ao
tempo reduzida à capela a que Mestre Henriques chamara Oratório – e que
milagrosamente ainda hoje resiste à irreparável fúria dos ventos –, foi
interrompida e, por doação de um terreno, em 1457, e num lugar chamado Boca da
Mata, próximo de Colares, os religiosos acabariam por erguer e fundar um novo
cenóbio, o Convento de Santa Ana do Carmo, o qual, contrariamente ao primeiro
local se encontrava agora “(…) edificado
em hum sitio ameno, em huma planície na raiz da Serra, e sobranceiro á Villa de
Collares, cercado de frondoso arvoredo. Gosa ao perto da aprazível vista da
varsea, casas de campo, pomares, e quintas revestidas de copados arvoredos, e
mais longe de logares, e casaes, terminado o horizonte de hum tão variado e
deleitavel painel o occeano, cujas vagas prateadas se estão vendo em distancia
quebrar naquellas praias” (Juromenha, 1838, 160-61).
José Alfredo da Costa Azevedo,
ilustre sintrense do séc. XX, que muito batalhou e contribuiu pela divulgação e
preservação do património natural, cultural e edificado da sua terra, descreve
assim o primitivo convento do Casal da Torre aquando da sua visita, na década
de 1980:
“Fui ao Casal da Torre, ultimamente, umas duas ou três vezes e tive
ocasião de verificar que ainda existem algumas casas já sem telhado; e na
parede de uma delas ainda se pode ver, reduzida às cantarias, uma longa porta
ogival, a qual se apresenta vedada por uma cancela feita de canas; no interior
vivem galinhas. O casal parece estar habitado – e a presença das galinhas assim
o atesta –, mas a verdade é que, em qualquer das vezes que ali fui, não tive a
confirmação do facto” (Costa Azevedo, 1997, II: 11).
Actualmente
o Casal da Torre encontra-se de facto habitado, com algumas dependências anexas
às sobreditas ruínas, e muito embora a pequena capela já não sirva de
galinheiro, o seu estado de conservação merece especial atenção. Seriam de
extrema importância obras de recuperação neste monumento, um importante
elemento patrimonial sintrense e que a irreparável fúria dos ventos e restantes
elementos naturais poderão condenar para sempre.
***
Volvidos dez anos desde que foram
escritas estas linhas para um dos capítulos de um trabalho que efectuei sobre o
Convento de Santa Ana do Carmo de Colares e seis desde que o mesmo foi
apresentado no III Encontro de História de Sintra, resolvi ir visitar de novo o
Casal da Torre. Infelizmente o passar dos anos e o fustigar dos ventos e
restantes elementos naturais acabaram por prevalecer. Grande parte do alçado
sul da capela e seu respectivo portal desabaram por completo, restando apenas
parte do alçado nascente e seu portal, muito embora também este em perigo de
derrocada.
Surge-me apenas terminar este
artigo com o parágrafo com o qual terminei o trabalho na altura.
A importância de um monumento
como este vai muito para além da simples valorização arquitectónica e física.
Um monumento surge de uma certa necessidade humana em secularizar, não apenas
os estímulos técnicos, artísticos e estilísticos do momento, mas também as suas
crenças e necessidades de vida, eternizando-se deste modo às gerações vindouras
a cultura e sociedade em que se enquadram. Por isso a importância do estudo,
conservação, e valorização do Património. Evita-se assim a perda no espaço e no
tempo de tudo aquilo que foi vivido, pensado e idealizado antes de nós.
Alçado Sul antes da derrocada
Alçado Sul após a derrocada
Alçado Sul antes da derrocada
Alçado Sul após a derrocada
Bibliografia
- COSTA AZEVEDO, José Alfredo da
– “ O Convento do Carmo “ in Recantos e Espaços, Obras de José Alfredo da Costa
Azevedo, Vol. II, Sintra, 1997
- JUROMENHA, Visconde de – “
Sintra Pinturesca, ou Memória descritiva da vila de Sintra, Colares e seus
arredores “ – Lisboa, 1838
- STª. ANA, José Pereira de –
“Chronica dos Carmelitas da antiga, e regular observancia nestes reynos de
Portugal, Algarves e seus dominios... ”, Vol. II, Lisboa, 1745-1751
Boa noite, gostava de visitar esse local, pode enviar-me as coordenadas?
ResponderEliminarteampereira72@gmail.com