terça-feira, 27 de agosto de 2013

A capela do Séc XV do Casal da Torre, em Janas

ANDRÉ MANIQUE



André Manique nasceu em Lisboa, em 1975. Licenciou-se em História pela Universidade Lusíada de Lisboa, em 2002. Teve formação complementar em áreas directamente ligadas com a História, a Arqueologia e o Património, como História da Náutica, Cartografia Antiga, Arqueologia do Navio, Artilharia Antiga, Arqueologia Náutica e Subaquática, entre outras.

A partir de 2001 começou a participar em diversos trabalhos arqueológicos, fora e dentro do país. Em 2008, e já a título profissional, começa a desempenhar funções como Técnico de Arqueologia e Património, percorrendo o país de norte a sul, em diversos trabalhos arqueológicos e de salvaguarda do Património, abarcando diversas cronologias, desde a Pré-História antiga até à Época Moderna e Contemporânea. Actualmente encontra-se numa intervenção num edifício Lisboeta, um antigo palacete do séc. XVI, parte dele assente em cima da antiga Cerca/Muralha Fernandina.



Na zona de Sintra, à entrada da povoação de Janas, existe um casal, primeiramente designado de Miguel Joanes, e que posteriormente ficou a ser conhecido por Casal da Torre. Para ali chegar, segue-se por um caminho de terra batida que parte da estrada principal, e cerca de uns 100 metros adiante, encontram-se umas ruínas de uma antiga capela de estilo gótico. A Capela do séc. XV do Casal da Torre.

Esse casal pertenceu a Mestre Henriques, um distinto Medico que durante o reinado de D. Duarte, foi físico mor do Reino.

Mestre Henriques era um grande devoto da Ordem religiosa do Carmo, tratando os Carmelitas com particular veneração, mantendo estreitas relações com os carmelitas do Convento de Lisboa, o qual havia sido fundado em 1389 pelo Condestável D. Nuno Álvares Pereira. Não tendo herdeiros e julgando que o seu casal reunia as condições para fundar um Convento da Ordem em Sintra, resolveu pedir assim licença ao rei. Ainda antes de lhe ser concedida a licença régia, a 14 de Novembro de 1436, ergue uma capela, que denomina de Oratório, e que acabaria por se tornar o primeiro cenóbio carmelita em Sintra. Posteriormente, os monges acabariam por abandonar o local e instalar-se numa zona sobranceira à serra, próximo de Colares.

Mas eis, antes de mais, como nos descreve Visconde de Juromenha esse primeiro local, na sua “Cintra Pinturesca”:

“Foi primeiro fundado este Convento no casal da Torre, antigamente chamado de Miguel Joanes no termo de Cintra, que pertenceo a mestre Henrique, physico mór d’El-Rei D. Duarte, o qual tendo primeiro impetrado licença do dito Rei para a sua fundação, [que lhe foi concedida por Carta dada em Lisboa em 14 de Novembro de 1436], deixou em testamento o dito casal, onde já tinha edificado huma Capellinha ou Oratório, á ordem do Carmo para por sua morte se fundar naqelle logar o dito Convento deixando por testamenteiro e executor desta sua ultima vontade a D. Fr. João Manoel, Bispo de Ceuta e Capellão mór.” (Juromenha, 1838, 158)

Mestre Henriques viria a explicitar no seu testamento que as obras do futuro cenóbio só continuariam após a sua morte, pois que pelas suas funções e exigentes permanências na corte, não lhe era possível ausentar-se para o acompanhamento das mesmas. Acabaria por morrer em 1449, e no ano seguinte, a herdade, os seus bens e as suas rendas entraram na posse do convento do Carmo de Lisboa, tendo Frei Constantino Pereira, sobrinho do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, sido escolhido para fundar o novo convento.

Todavia, e como nos descreve um frade carmelita do séc. XVII, José Pereira de Stª Ana, o lugar do Casal da Torre em breve se mostrou inóspito, “assim pela esterilidade da terra, só própria de pão, e de gados, como pela falta de vizinhos, que se podessem aproveitar das doutrinas dos Religiosos (...) [e] por ser totalmente desabrigado [pois] nelle reinaõ com irreparavel furia os ventos, que saõ nocivos á saude” (Stª Ana, 1751, II:96).

A construção do convento, ao tempo reduzida à capela a que Mestre Henriques chamara Oratório – e que milagrosamente ainda hoje resiste à irreparável fúria dos ventos –, foi interrompida e, por doação de um terreno, em 1457, e num lugar chamado Boca da Mata, próximo de Colares, os religiosos acabariam por erguer e fundar um novo cenóbio, o Convento de Santa Ana do Carmo, o qual, contrariamente ao primeiro local se encontrava agora “(…) edificado em hum sitio ameno, em huma planície na raiz da Serra, e sobranceiro á Villa de Collares, cercado de frondoso arvoredo. Gosa ao perto da aprazível vista da varsea, casas de campo, pomares, e quintas revestidas de copados arvoredos, e mais longe de logares, e casaes, terminado o horizonte de hum tão variado e deleitavel painel o occeano, cujas vagas prateadas se estão vendo em distancia quebrar naquellas praias” (Juromenha, 1838, 160-61).

José Alfredo da Costa Azevedo, ilustre sintrense do séc. XX, que muito batalhou e contribuiu pela divulgação e preservação do património natural, cultural e edificado da sua terra, descreve assim o primitivo convento do Casal da Torre aquando da sua visita, na década de 1980:

Fui ao Casal da Torre, ultimamente, umas duas ou três vezes e tive ocasião de verificar que ainda existem algumas casas já sem telhado; e na parede de uma delas ainda se pode ver, reduzida às cantarias, uma longa porta ogival, a qual se apresenta vedada por uma cancela feita de canas; no interior vivem galinhas. O casal parece estar habitado – e a presença das galinhas assim o atesta –, mas a verdade é que, em qualquer das vezes que ali fui, não tive a confirmação do facto” (Costa Azevedo, 1997, II: 11).
Actualmente o Casal da Torre encontra-se de facto habitado, com algumas dependências anexas às sobreditas ruínas, e muito embora a pequena capela já não sirva de galinheiro, o seu estado de conservação merece especial atenção. Seriam de extrema importância obras de recuperação neste monumento, um importante elemento patrimonial sintrense e que a irreparável fúria dos ventos e restantes elementos naturais poderão condenar para sempre.



     ***


 Volvidos dez anos desde que foram escritas estas linhas para um dos capítulos de um trabalho que efectuei sobre o Convento de Santa Ana do Carmo de Colares e seis desde que o mesmo foi apresentado no III Encontro de História de Sintra, resolvi ir visitar de novo o Casal da Torre. Infelizmente o passar dos anos e o fustigar dos ventos e restantes elementos naturais acabaram por prevalecer. Grande parte do alçado sul da capela e seu respectivo portal desabaram por completo, restando apenas parte do alçado nascente e seu portal, muito embora também este em perigo de derrocada.
Surge-me apenas terminar este artigo com o parágrafo com o qual terminei o trabalho na altura.


A importância de um monumento como este vai muito para além da simples valorização arquitectónica e física. Um monumento surge de uma certa necessidade humana em secularizar, não apenas os estímulos técnicos, artísticos e estilísticos do momento, mas também as suas crenças e necessidades de vida, eternizando-se deste modo às gerações vindouras a cultura e sociedade em que se enquadram. Por isso a importância do estudo, conservação, e valorização do Património. Evita-se assim a perda no espaço e no tempo de tudo aquilo que foi vivido, pensado e idealizado antes de nós.
  Alçado Sul antes da derrocada
  Alçado Sul após a derrocada

Bibliografia

- COSTA AZEVEDO, José Alfredo da – “ O Convento do Carmo “ in Recantos e Espaços, Obras de José Alfredo da Costa Azevedo, Vol. II, Sintra, 1997
- JUROMENHA, Visconde de – “ Sintra Pinturesca, ou Memória descritiva da vila de Sintra, Colares e seus arredores “ – Lisboa, 1838
- STª. ANA, José Pereira de – “Chronica dos Carmelitas da antiga, e regular observancia nestes reynos de Portugal, Algarves e seus dominios... ”, Vol. II, Lisboa, 1745-1751

1 comentário:

  1. Boa noite, gostava de visitar esse local, pode enviar-me as coordenadas?

    teampereira72@gmail.com

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