Um dos meus lados é mais falador ; o outro é mais contemplativo.
Oiço tudo o que me quiseres dizer, contar, e fico muitas vezes a chorar por dentro, para que ninguém me veja a chorar. E é calado que te digo sempre tudo isso.
Oiço tudo o que me quiseres dizer, contar, e fico muitas vezes a chorar por dentro, para que ninguém me veja a chorar. E é calado que te digo sempre tudo isso.
E tenho um imenso cuidado com o que desejo, como te desejo, porque
muitas vezes consigo o que quero, e há como que uma competição a
desenrolar-se dentro de mim, num eu-tu desejado, sendo que sou ao mesmo
tempo o palco e o espectador, o vinho e o bêbedo, amortalhado, não sei
se de sono se de sonho, num vinho que inventei, só para te dizer um
segredo.
O que me custa muitas vezes não é ouvir-te, mas ser capaz de me ouvir
nas palavras que tu me dizes e depois sentir-me atirado para um degredo
qualquer, nos confins de um mundo que trago sempre comigo, e que é meu,
mas também teu, para na solidão sofrer tudo o que não consegui ouvir de
ti. E vou à boleia de um vento, que não é só nosso, mas está fundido,
enrodilhado com os outros ventos que por nós passam e ateiam um incêndio
em que me sinto Nero, a deixar que tudo arda para depois poder ter pena
e ter razões para chorar quando da minha Roma interior já só restarem
cinzas a esfriar.
E é quando encontro Deus numa sinfonia de Brahms, num nocturno de
Chopin, numa peça de violino de Sarasate. Ou em Bracusi. Ou em Rodin a
pensar. Ou Miron a fazer-me de discóbolo.
E é com pedaços deste amor que em ti sonhei e sonho desde que te
conheci, que moldo um outro amor que esculpo em pedra, pensado-me
Bernini a esculpir o David em Esforço, com os dentes cerrados a fazer
girar a funda e que recortei depois em ti o azul que em ti adoro mas que
é o meu desassossego, o tempo de um meu descontentamento, porque o azul
é meu e teu, é só nosso, mas que é um azul que não existe, porque nada
existe senão este amor que te tenho neste à procura de um tempo que
irremediavelmente perdi.
E depois de te dizer isto tudo, ou quase tudo, fujo, como um pecador
arrependido para o meu lado contemplativo, a ser o estagirita de uma
Macedónia que amei em Alexandre.
Psicoterapeuta, Escritor, Poeta, Investigador.
Psicoterapeuta, Escritor, Poeta, Investigador.
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