A Santa Catarina de Ribamar apenas largou para o Reino a 17
de Março, sob comando de D. Luís de Vasconcelos. Deveria ter levantado ferro de
Goa em Dezembro, de modo a passar sem perigo o Cabo, e apanhar as calmarias da
Guiné, mas o vice-rei insistiu em retardar a partida, para que o capitão de
Ceilão, D. Jorge Menezes pudesse embarcar e rumar ao Brasil, e assumir o
governo de S. Paulo de Piratininga. Só a 26 de Fevereiro D. Jorge chegara a Goa,
os tratos com a feitoria de Cochim, para o embarque da pimenta, estavam
atrasados. Embarcaram pois em Março, quatrocentos passageiros e escravos, bem
como o pregador da Ordem de S. Agostinho, o provincial da Companhia de Jesus,
oficiais da Casa do Rei e toneladas de mercadorias, guardadas por trinta
canhões de bronze, cento e cinquenta soldados, quarenta marinheiros, dezassete
artilheiros e trinta grumetes.
A viagem foi de feição até Melinde, com os panos em cima e
velas de gávea, em Sacotorá reabasteceram-se de víveres e biscoito. Naus
holandesas, nem uma, apenas vento forte em Mombaça. Farta era a carga: quatro
quintais de pimenta, no corpo da nau, debaixo da ponte e na tolda, baús com
fazendas por todo o lado, junto ao batel e cabrestante, tintas de tingir e
canela de Damão, de tal sorte que as velas mal podiam ser mareadas. Passadas as
águas austrais e quatro meses de viagem, cinco passageiros faleceram do mal de
Luanda, e mais de quinze padeciam do clima. Receoso, o provincial dos jesuítas
rezava para afastar o enjoo, enquanto os comerciantes cuidavam das mercadorias,
que aportadas a Lisboa e o crivo da Casa da Índia logo seguiriam para Antuérpia
e Bruges.
À passagem por Fernando Pó tomaram-se precauções, receavam-se
holandeses, sagazes. D. Luís montou um dispositivo de defesa e nomeou Samuel
Saraiva para o convés, Filipe de Araújo para a proa e João Aguiar para a tolda.
Além das trinta peças de bronze, oito canhões de sessenta quintais, que podiam
lançar pelouros de vinte e quatro libras de ferro coado, reforçaram a defesa.
D. Pedro de Angra, o coadjutor militar, mandou limpar os mosquetes e arcabuzes,
e ordenou turnos de vigia. As águas permaneceram pacíficas porém, holandeses,
nem vê-los.
Passados sete meses de viagem, contornada a Mina e Mazagão,
mais uma carreira da Índia calmamente se preparava para aportar a Lisboa.
Entrava Novembro quando se avistou a Roca, poucas léguas faltavam para o
destino. O mar estava particularmente alteroso, nortada fria, furiosa, chuva
forte caía nas arribas de Alvidrar. D. Luís, percebendo o mar revolto, mandou
baixar as velas, o vento sacudia a embarcação, carregada de tudo o que a ganância
permitira carregar. Após forte borrasca, começou a nau a abrir fendas e
partir-se, e vários passageiros caíram ao mar, afogando-se. Em pânico, a mulher
do capitão de Ceilão rezava, agarrada aos filhos, enquanto os ratos
serpenteavam pelo convés.
Em desespero, e sem sinais de amainar, D. Luís mandou aliviar
a carga,vários baús com fazendas foram arremessados borda fora, enquanto os
canhões rolavam num baile tétrico, orquestrado pelo Olimpo. A distribuição da
carga não ajudava, e a quilha acusava o desgaste das monções e baixos de água,
carcomido pelas algas e águas chocas, o porão foi invadido pelas águas frias.
Após duas horas de tormenta, qual cesto de verga,
despedaçou-se o navio contra as rochas, junto à pedra de Alvidrar. Pouco
faltava para o nascer de 2 de Novembro, quando a natureza capturou a presa, num
cenário de gritos impotentes e corpos a boiar, fazendas despedaçadas e
madeirame quebrando-se contra as escarpas da Roca. O mar ficou roxo, e o céu num
negrume.
Ao passar junto ao arrebento do virador, desandou o
cabrestante com tal fúria que D. Luís, atingido por uma barra, de imediato
encontrou a morte, como quase todos, apenas quinze infelizes arribando à
Adraga, agarrados a tábuas.
O Santa
Catarina de Ribamar repetia o fado do Nuestra
Señora de la Concepcion, naufragado na Praia das Maçãs no regresso de Porto
Rico, e do Nuestra Señora de la
Encarnacion, que Pedro Rebolo perdeu junto à Roca, em 1611.Avivando os
medos do mar sem fundo, o Adamastor atacava nos penhascos de Sintra.
Sem comentários:
Enviar um comentário