A
Câmara Municipal de Sintra aprovou por
unanimidade, no passado dia 9 de Setembro, em reunião privada de câmara,
a proposta para a atribuição da “denominação de “Rua Carlos de Oliveira Carvalho (Carvalho da Pena) para o troço da
EN 375, com início no Caminho da Rede e fim na Av. 25 de Abril, na localidade
da Ribeira de Sintra. Antes tarde que nunca se homenageia o dedicado regente florestal e guardião da Pena durante mais de 30 anos.
O cavalo internava-se na mata
provocando um restolhar na terra húmida e fértil, à sombra dos penhascos do
Éden verdejante. O cheiro inebriante da floresta entorpecia os sentidos, sem
pressa, o cavaleiro absorvia-o, bálsamo da alma e revigorante do corpo.
Carlos Carvalho, regente florestal de
Sintra, observava as suas plantas e árvores, sentinela do génesis,
jardineiro da Vida, cavalgando pela vasta propriedade, enquanto no lago, um
pato deslizava pela água fresca qual príncipe esperando o desfazer do encanto.
Muitos anos tinham passado desde que pela primeira vez ali chegara, as
araucárias eram agora vetustas e portentosas, regadas por muitas chuvas e
invernos, e sempre miraculosamente despertas do letárgico sono a cada primavera
redentora. No Éden de Carvalho, “o Carvalho da Pena” como agradecidos patrícios
o tratavam, a flora atingia o clímax fecundo. Havia criptomérias do Japão,
fetos da Nova Zelândia, cedros do Líbano, araucárias do Brasil, até tuias da
América, a preciosa herança do velho rei D. Fernando. Carvalho recebeu o
legado, e tratou-o como seu, pai extremoso, enfermeiro atempado, vigilante do
paraíso, antes jovem jardim de rosas e camélias e agora garbosa floresta de
vetustos carvalhos, como ele, o Carvalho, incontornável, rosto tímido atrás do
vasto bigode, sem pressa e introspectivo. Sentia a ampulheta do tempo a
esgotar-se e cada passeio era agora uma despedida. Sabia a idade de cada uma
das suas protegidas, que lhe retribuíam, agradecidas, com cores para todas as estações,
em anual milagre de ressurgimento no esplendor da clorofila. Cada abate que
fortuito se impusesse, era uma punhalada assassina, fazia-o pedindo perdão,
breve outra planta ocuparia esse lugar.
Cavalgava e lembrava a velha
condessa, e como já perto da morte lhe jurara cuidar do Éden. Logo se lhe
juntaria, o eucaliptus obliqua, lacre do amor dela e de D. Fernando,
plantado no dia do casamento, crescia garboso e diariamente com ele falava como
se fosse a primeira vez.
Naquela manhã visitá-lo-ia o neto da
condessa, Azevedo Gomes, como ele, hortelão de milagres, sempre zelando para
que o verde manto protector não sucumbisse às labaredas do inferno que por vezes
rondava o Jardim. Azevedo Gomes aliara os conhecimentos silvícolas à aturada
experiência de Carvalho, estudando a serra para um futuro livro. Lentamente,
fazia a monografia do parque, o conhecimento lido e o sabido em frutífera
união. Encontraram-se na Fonte dos Passarinhos ao fim da manhã, sob um sol
outonal. Era um momento muitas vezes repetido, a romagem aos canteiros e
condutas de água, conselhos sobre cortes e podas, ideias para repor plantas
endémicas e repelir as infestantes. O dinheiro não abundava, e Carvalho, com
poucos e generosos jardineiros, cuidava como seu um património que os responsáveis
não acarinhavam.
-Sabe, senhor engenheiro -lamentou, enquanto caminhavam a pé –sinto
que estou a ficar sem forças. Não sei o que vai ser disto depois. O Ministério…
Antes que concluísse, Azevedo Gomes,
agarrou-lhe o braço, interrompendo-o:
-Ora, ora, amigo Carvalho, vão as
araucárias crescer mais três metros e ainda você aí estará para as curvas.
Quando a semente é boa, a árvore sai rija!
O Carvalho da Pena fixou os olhos
mortiços no eucaliptus obliqua e suspirou, com ar cansado:
-Quando a minha hora chegar, gostava
que fosse assim, de pé! -e abriu os braços, como querendo abraçar o portentoso tronco, e com ele,
toda uma vida a trote, à chuva e ao sol, pelas ravinas bordejadas de fetos,
orientando os guardas e zelando pelo “seu” parque. Azevedo Gomes pôs-lhe a mão
no ombro, e em silêncio seguiram por um caminho de pedra. Uma pequena
araucária, tombada, com vinte centímetros apenas, ameaçava morrer, as mãos
milagrosas do velho jardineiro logo a acondicionaram com terra, um regador
oportuno renovou de água aquela promessa de vida.
-Carvalho, creia-me, se esperamos
o que não vemos, será com perseverança que o esperaremos. Este não é só o
Parque da Pena. É o Parque do Carvalho da Pena!
Carvalho sorriu, pensativo, ao fim da
manhã despediram-se. Não mais tornariam a ver-se. Carlos de Oliveira Carvalho,
administrador florestal do Parque da Pena desde 1911, morreu pouco depois, em
1940.A pequena araucária, essa, mede já trinta metros, viva pela mão do
Carvalho. Da Pena.
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