Olhando
nas profundezas do tempo revejo-me de escasso cabelo branco e alquebrado.
Arrasto-me
num mar de cinzas perdido nas recordações.
Olho
e não vejo. O nevoeiro é denso. Receio monstros no meu imaginário. Recuso o
despertar. Refugio-me nas sombras ao abrigo do desconhecido.
Bato
em vão às portas fechadas. Ouso espreitar às ralas frinchas.
Espevito
o pensamento à luz de uma vela. Sinto-me vidrado a cada dia que passa.
Semi-cerro
os olhos ao flash incandescente.
Protejo
os ouvidos do murmurar contínuo e inconsequente. Do batuque ensurdecedor e
distractivo. Do apagador de consciências. Do varredor de quereres e de
mudanças. Do escrito ponto final tão do desejo de muitos bonifrates. De
palhaços amestrados que arrotam bazófias e lixo, e cobras venenosas sibilantes
por cima de tudo o que seja mudança, alteração, inverso.
Ah!
O inverso. O difícil e procurado inverso. O inverso na busca do reverso. O
desejo, a esperança, o caminhar com sentido contrariando o comum dos mortais.
O
oásis na solidão. A esperança ténue mas não menos esperança. O abismo, o fim.
A
revolta, o desejo e sempre a luta. A luta diária. O último horizonte. A eterna
busca do melhor, do perfeito e do belo.
Ah!
Quão ilusória e passageira é a vida. Curta existência para tão mau viver.
Viver
inconsequente e desgarrado. Vidas sem sentido, ocas e vazias. Perdidas na
labuta diária. Perdidas no tempo e levadas no fumo do nada. O nada que é tudo e
alguma coisa, e que por fim se reduz a cinza e a pó. Ao quase nada.
Efémera
passagem para quem se recusa a viver uma existência activa e participativa.
Surgem-me
pensamentos turvos e delinquentes. Quero seguir mas não sei por onde.
Cansa-me
a existência. Busco em vão. Todas as portas se fecham. Vivemos todos de costas
uns para os outros.
Não
ousamos olhar olhos nos olhos. Não ousamos assumir. Arrotamos palavras balofas
e sem sentido. Escondemo-nos atrás das palavras para deixar que o problema se
resolva por si próprio no tempo, ou pelo esforço pessoal e individual.
Escondemo-nos
nas palavras para não fazer e levar os outros a desistir de fazer.
O
que engrandece o homem que é fazer e deixar obra feita, é aproveitado pelos que
nada fazem e apenas recolhem o produto. Os doutos de palavra que estão sempre
na primeira linha prontos a emitir um grunhido em nome dos que vergaram as
costas. Servem-se da mentira para falar meias verdades. Aproveitam-se da
inocência e das boas vontades para alcançarem os seus espúrios intentos e
objectivos. Objectivos deles e só deles. Deles e dos seus apaniguados. Das palmadinhas
nas costas e mãos estendidas. Dos corruptos e dos corruptíveis. Dos beija mão e
dos golpes de cintura. Dos infectos, dos amarelos e apodrecidos à sombra do
nada.
Há
que dar a volta a isto. A isto e àquilo e ao outro. E ao que parece mas não é,
e ao que sendo não parece, ou que se procura camuflar de tão repetido, de tão
gasto que conduz ao esquecimento. Aí estão os objectivos deles a serem
cumpridos e atingidos.
Avaliação
feita, são os maiores, os intocáveis, os inimputáveis à sombra de gentes
adormecidas, cansadas das mentiras, sem força para subir a voz e gritar alto.
Espoliadas do ser.
O
querer há muito se esfumou. Os sonhos há muito que se pagaram agarrados a uma
existência solitária, triste e cinzenta.
Ah!
Não ser eu. Deixámos de o ser. Passamos a marionetas manobradas por mãos doutas
e hábeis, que nos conduzem nos carreiros empedrados e empoeirados, ao lado das
largas e amplas avenidas onde se passeiam e pavoneiam de cara virada ao lado e
sobranceira.
Caminhamos
arrastados. Arrastamos as nossas dúvidas, as causas dos outros e sofremos uma
consequência colectiva e amordaçada.
Continuamos
a consentir incapazes de dar a volta ao texto. Ao texto que se escreve há muito
sobre linhas tortas. Ao texto sem contexto que é pretexto para justificar toda
a diarreia que deitam cá para fora, enquanto flutuam nos braços da segurança e
impunidade.
Os
tempos vão cinzentos, como cinzentas as almas e negros os corações.
Empedernidos os dos outros, daqueles que sorriem às luzes da ribalta, perante
as câmaras e os compadres e os apaniguados.
Os
outros vivem na sombra. Acendem com o seu esforço e suor essas mesmas luzes da
ribalta. Ficam encadeados e cegos. Morrem produzindo, servindo, despidos do
nada.
São
os suportes, as estruturas. Mas o que lhes dão senhores? O que recebem em
troca? Às vezes nem um esgar e muito menos um olhar. Os murmúrios mal se ouvem.
São balbuciadas palavras sem sentido, no sentido de justificar o
injustificável. Mais no sentido de calar e derrubar qualquer tímida ave que
ouse fazer um breve ruído com o seu curto bater de asas.
Tristes
aves feridas de asas murchas, que se debatem no crude da vida, buscando a
sobrevivência perante a águia astuta e possante, de garras aduncas e afiadas.
Triste
recordação e semelhança com uma águia de má memória, que lançou o luto no mundo
inteiro e que durante 5 longos anos perpetuou as trevas entre os homens.
Vá
de retro figurativo animal, livre esbelto e possante, cuja energia e pujança
foi maldosamente explorada e aproveitada pelo maligno animal homem, em nome de
coisa nenhuma. Abjectas criaturas, mais abutres que outra coisa. Que permaneçam
para sempre enterradas mas nunca esquecidas.
Esforço-me
por levantar a cabeça e erguer os olhos famintos. Estou farto e cansado de me
arrastar num submundo abjecto criado artificialmente para manter sempre tudo no
mesmo sítio.
Basta
de me arrastar na lama da indiferença. Do está tudo bem e para pior já basta
assim.
Levanto
os olhos com ardor e raiva. Pena de mim próprio. Sacudo o torpor. Afasto a
melancolia que me invade. Mando para longe as mágoas e sinto-me transformado
num valente guerreiro montado no seu cavalo de vassoura de pau, que parte
desabrido em busca dos maus da fita, prometendo sarar as feridas e por o mundo
a girar ao contrário. Sim, talvez seja isso o necessário e suficiente para
colocar tudo direito e no devido sítio. Boa, cavaleiro andante. Vai cumprir a
tua promessa de virares o mundo às avessas. Vamos, não desfaleças, todos
dependemos de ti, do teu ardor e labuta. Estamos confiantes no teu desempenho.
Pouf!
Despertei para a realidade. O meu cavalo tropeçou e a vassoura partiu-se.
Efémero e com pés de barro cavalo e cavaleiro. Falho de armas, mas não de
argumentos, com o senão de os argumentos não colocarem pão na mesa, nem serem
solução para quem está despido.
Um
primeiro erro é depositar total confiança num só homem para a resolução dos
problemas que são de todos.
O
segundo erro é não assumirmos e tomarmos nós em mãos a resolução dos problemas
que nos afligem
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