No dobrar de uma esquina, no alcançar de um céu azul, no
mergulhar nas tuas lágrimas, forjo o meu caminho e construo o meu ser.
Desconstruo as incertezas, derrubo as contradições, navego no teu silêncio e
obtenho uma satisfação interior, plena de sentido, aberta aos sentidos. Divago
no tempo, corro sobre as águas passadas, regresso às origens, escuto os sonhos,
dou asas ao pensamento e refugio-me nas sombras. Desço aos confins, solto um
grito de esperança, abafo os soluços mornos aquecidos nos teus seios e lanço-me
no espaço das ilusões, do tudo e do nada, do desejo e da esperança, no incerto
tido por certo. Aqui acordo, olho mas não vejo, sombras toldam o meu
pensamento, nuvens perpassam nos meus olhos, sinto o bafo da besta, corro à
deriva, lanço-me na confusão, reacendo as chamas, queimo as esperanças e
exausto adormeço de novo olhando para o infinito das inverdades. É tão bom
existir mas não estar, é tão bom fechar os ouvidos às promessas incumpridas,
ignorar os papagaios bem falantes engalanados nas suas penas multicolores,
naquelas fachadas fechadas aos gritos de justiça e de luz, de igualdade e de
fraternidade. À mundo cão onde me debato digo e contradigo, faço e nego que
faço, onde arroto ar que se ergue perdendo-se nos céus do tempo gasto e velho,
onde multidões se arrastam errantes alheias ao piar alegre de uma ave, ao som
vibrante e cadenciado das ondas enrolando na areia, ao vento cantando nos
canaviais, ao bom dia de quem passa, mais um ser errante mas ainda com
esperança, que caminha com passos certos para um futuro incerto. Certezas
leva-as o vento num rápido golpe da sua asa, no seu bico adunco desafiando as
fragas e arribas, soltando gritos de desafio aos que restam, aos que ainda
teimam, aos que ainda se arrastam tentando provar e mostrar que são gente, de
carne e osso, com membros e cérebro, de coração negro e obscuro, obscurecido
pelas aves de rapina que tudo pilham, de forma pensada e calculada, que ignoram
apelos e lágrimas já secas de tanto chorar, braços tombados de tão erguidos que
por gerações marcharam indicando os caminhos da luta e da revolta, rumo à luz e
à paz, à partilha e à construção. Fomos mental e psicologicamente
desconstruídos. Sentimo-nos desfeitos e feitos pó. Sopramos, é tudo o que nos
resta, pois já perdemos a voz.
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