Para quem conhece Sintra, é provável
que me conheça. Ou porque me viu passar, gingando pelos carris ao ritmo dos
pássaros, ou porque ouviu falar de mim entre as nódoas da memória de um postal
antigo.
Chamo-me Eléctrico e nasci no início
do século passado. Sou velho, portanto, e começo a ficar cansado. Hoje só
passeio entre a Estefânia e a Praia das Maçãs quando o tempo e a vontade dos
homens me permitem. E no chiar do freio, na turbulência suave do aço, vou
vivendo aos empurrões na saudade de outros tempos.
Corri anos da Vila de Sintra à Vila
Nova da Praia das Maçãs. E lá pelos anos trinta, cheguei às Azenhas do Mar, com
vinho ramisco a correr no chafariz do Arção e tudo. Até à década de setenta,
transportei gente e emoções, fui cartão de visita para turistas e a alegria das
crianças. Depois… fecharam-me num barracão da Ribeira.
E quando já pensava que aquele seria
o meu túmulo, veio o desejo dos homens e das mulheres da terra que me quiseram
ressuscitar.
A todos amo e quero bem, pelo esforço
e fé que em mim depositaram. Mas um houve que permanece aconchegado no meu
coração: o meu amigo Valdemar.
Já morreu, o meu amigo, aquele amigo
que viveu a recordar-me, a lembrar as pessoas que eu estava arrumado num
barracão, a pedir-lhes indignado que me libertassem.
Hoje, e sempre, serei eu a lembrá-lo
às gentes. Hoje, a minha casa chama-se Complexo Valdemar Alves. Amanhã, espero
que concretizem o sonho deste meu amigo. Ver-me a rodar em todo o meu antigo
percurso, a transportar sorrisos de Sintra ao litoral.
João fiquei emocionada ao ler este belo texto. Um grande abraço. Conceição Vilela
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