sexta-feira, 28 de junho de 2013

O meu amigo Valdemar

JOÃO RODIL


Para quem conhece Sintra, é provável que me conheça. Ou porque me viu passar, gingando pelos carris ao ritmo dos pássaros, ou porque ouviu falar de mim entre as nódoas da memória de um postal antigo.

Chamo-me Eléctrico e nasci no início do século passado. Sou velho, portanto, e começo a ficar cansado. Hoje só passeio entre a Estefânia e a Praia das Maçãs quando o tempo e a vontade dos homens me permitem. E no chiar do freio, na turbulência suave do aço, vou vivendo aos empurrões na saudade de outros tempos.

Corri anos da Vila de Sintra à Vila Nova da Praia das Maçãs. E lá pelos anos trinta, cheguei às Azenhas do Mar, com vinho ramisco a correr no chafariz do Arção e tudo. Até à década de setenta, transportei gente e emoções, fui cartão de visita para turistas e a alegria das crianças. Depois… fecharam-me num barracão da Ribeira.

E quando já pensava que aquele seria o meu túmulo, veio o desejo dos homens e das mulheres da terra que me quiseram ressuscitar.

A todos amo e quero bem, pelo esforço e fé que em mim depositaram. Mas um houve que permanece aconchegado no meu coração: o meu amigo Valdemar.

Já morreu, o meu amigo, aquele amigo que viveu a recordar-me, a lembrar as pessoas que eu estava arrumado num barracão, a pedir-lhes indignado que me libertassem.

Hoje, e sempre, serei eu a lembrá-lo às gentes. Hoje, a minha casa chama-se Complexo Valdemar Alves. Amanhã, espero que concretizem o sonho deste meu amigo. Ver-me a rodar em todo o meu antigo percurso, a transportar sorrisos de Sintra ao litoral.

1 comentário:

  1. João fiquei emocionada ao ler este belo texto. Um grande abraço. Conceição Vilela

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