JOÃO AFONSO AGUIAR
A elaboração deste artigo visa contribuir, modestamente, para a compreensão dos meios e dos fins que consubstanciam a acção do FMI, enquanto instituição financeira mundial que emergiu no pós-guerra como pilar de uma nova ordem monetária que deveria contribuir para a paz e prosperidade global. Sendo esta instituição uma presença assídua nos meios de comunicação social sempre com a aura de misticismo de uns senhores, de fato escuro e com ar conhecedor dos assuntos económicos, que aparecem de três em três meses para se certificarem do nosso cumprimento do pacto que nos retirou a soberania, espero ajudar a divulgar a verdade sobre a sua organização e fins, onde saltam as incoerências e as imperfeições daqueles que se julgam possuidores de uma fórmula mágica para a resolução dos problemas financeiros nacionais.
A elaboração deste artigo visa contribuir, modestamente, para a compreensão dos meios e dos fins que consubstanciam a acção do FMI, enquanto instituição financeira mundial que emergiu no pós-guerra como pilar de uma nova ordem monetária que deveria contribuir para a paz e prosperidade global. Sendo esta instituição uma presença assídua nos meios de comunicação social sempre com a aura de misticismo de uns senhores, de fato escuro e com ar conhecedor dos assuntos económicos, que aparecem de três em três meses para se certificarem do nosso cumprimento do pacto que nos retirou a soberania, espero ajudar a divulgar a verdade sobre a sua organização e fins, onde saltam as incoerências e as imperfeições daqueles que se julgam possuidores de uma fórmula mágica para a resolução dos problemas financeiros nacionais.
Faremos
então uma breve apresentação institucional, à qual se seguem os
objectivos, as funções e a discussão sobre a reforma do Fundo.
O FMI é
dotado de personalidade jurídica e tem hoje o estatuto de instituição
especializada das Nações Unidas. Iniciou a sua actividade em 1 de
Março de 1947, com 39 membros originários12,
e é actualmente composto por 188 membros desde a entrada do pequeno
Estado polinésio de Tuvalu em 24 de Junho de 20103 A
cada membro é atribuída uma quota, no caso dos membros originários
é definida no Anexo A dos estatutos do FMI e no caso dos outros
membros é definida pela Assembleia dos Governadores e revista
quinquenalmente.
A
fixação da quota4
deveria ter por base critérios económicos, todavia têm sido igualmente
adoptados critérios políticos de gestão das relações internacionais.
Um critério que não é de todo estranho se considerarmos que é através
da quota que cada membro estabelece o seu poder dentro do FMI, pois
a cada membro são atribuídos 250 votos acrescidos de um voto por cada
100 mil direitos de saque especiais.A
importância da quota aumenta nos momentos das decisões mais importantes,
que exigem 85% dos votos, e países como os EUA, detentores da maior
quota no FMI (17,14%), ou o conjunto dos Estados-membros da União Europeia,
acabam por possuir um poder de veto nessas matérias.O
cálculo do valor da quota é um processo complexo, existindo cinco
fórmulas de cálculo, que ponderam o PIB do Estado, as suas reservas
internacionais (em ouro, dólares, DES, euros e as posições de reserva
do FMI) e o conjunto das receitas e dos pagamentos correntes. Além
destes critérios económicos, são ponderados o potencial do país
para contribuir para os recursos do FMI, as eventuais necessidades de
financiamento e o impacto das suas políticas económico – financeiras
na economia internacional.Este
processo de definição da quota dos membros do FMI tem sido objecto
de críticas que indicam um favorecimento dos EUA em detrimento de outras
potências económicas5.Devido à sua natureza de organização internacional de cariz
intergovernamental, os membros do FMI têm o direito de sair da organização
(Artigo XXVI, secção 1) ou, se deixarem de cumprir com as obrigações
do acordo, têm a possibilidade de serem expulsos (Artigo XXVI, secção
2).
Os objectivos e as funções do FMI.
O FMI é
o resultado da conferência de Bretton Woods e a sua concepção
teve origem no Plano Whyte. Deste modo, ele reflecte uma certa visão
ideológica e política das nações vencedores da II Guerra Mundial
que visavam estabelecer uma ordem económica liberal e impedir o regresso
das práticas monetárias anteriores à guerra.
Em
resultado dos seus fins, o fundo assume três perspectivas distintas7:
- A disciplina da actuação dos Estados através de um Código de boa conduta das políticas monetárias;
- A de instituição financeira que assegura a liquidez necessária para os países enfrentarem os problemas com as suas balanças de pagamentos;
- A de organização internacional com competências para decidir e praticar actos de gestão.
Quanto aos seus
objectivos começamos por esclarecer que estes são distintos dos
do Banco Mundial, pois não há uma preocupação directa com o desenvolvimento económico.
O FMI foi essencialmente concebido para resolver os problemas emergentes
das balanças de pagamentos e não se preocupa em primeiro plano com
os problemas estruturais da economia como o Banco Mundial.Daqui
decorre uma das críticas normalmente apontadas ao fundo de que este
é contrário ao desenvolvimento, porém, os seus defensores, perante
esta crítica, tendem a afirmar que o FMI não é uma organização
de desenvolvimento, logo esta não teria de ser a sua principal preocupação,
e que sem o equilíbrio da balança de pagamentos não é possível
o desenvolvimento económico8. Independentemente
da polémica, se apenas é possível desenvolvimento económico
com uma balança de pagamentos equilibrada ou se apenas é possível
uma balança de pagamentos equilibrada com desenvolvimento económico,
os objectivos do FMI são marcados pela lógica do equilíbrio financeiro,
pela separação entre os seus objectivos e os objectivos do Banco Mundial
e têm-se mantido praticamente os mesmos desde a sua fundação devido
às dificuldades de estabelecer um compromisso político para a sua
alteração.Os
objectivos do FMI estão consagrados no Artigo I dos estatutos, os quais
passamos a enunciar:
- Promover a cooperação monetária internacional;
- Facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional;
- Promover a estabilidade dos câmbios;
- Contribuir para a instituição de um sistema multilateral de pagamentos e para a eliminação das restrições cambiais;
- Incutir confiança aos membros, pondo temporariamente à sua disposição os recursos do Fundo, mediante garantias adequadas;
- Encurtar a duração e reduzir o grau de desequilíbrio das balanças de pagamentos internacionais dos membros.
Termina o artigo
a referir que em todas as suas políticas e decisões, o Fundo orientar-se-á pelos
objectivos consignados no presente artigo.
Deste conjunto
de objectivos decorrem três funções fundamentais9 10:
a regulação das relações financeiras entre os membros; a assistência
financeira aos Estados em dificuldades; a de órgão consultivo.A função de
regulação das relações financeiras alterou-se substancialmente desde
a segunda emenda aos estatutos do FMI e com o consequente colapso do
sistema definido em Bretton Woods, desde então que se menciona
uma função de vigilância em vez de regulação. Está consagrada
no Artigo IV, secção 3 dos estatutos, e estatui a realização de consultas
regulares aos países membros e o exame periódico da evolução das
taxas de câmbio. As
consultas regulares decorrem tanto das visitas e recolha de informação
pelo FMI, como do dever de prestação de informação pelos países
(Artigo VIII, secção 5), e no final é elaborado um relatório que
será analisado pelo Directório Executivo.
A
função de assistência financeira é a mais complexa e a mais significativa
desde a criação dos DSE.
Existe
uma vasta e complexa estrutura de formas de intervenção que sinteticamente
podem ser dividas em11:
- Meios financeiros que provêem de recursos próprios ou de recursos provenientes de empréstimos, podendo estes ser bilaterais ou multilaterais.
- E assistência financeira onde se enquadram:
- Mecanismos ou facilidades de vocação geral (tranches de reserva, tranches de crédito, acordos stand-by e um mecanismo alargado de crédito);
- Facilidades de vocação especial (desenvolvidos para as economias de certos países);
- Facilidades de apoio ao desenvolvimento (o mecanismo de facilidade de ajustamento estrutural e a facilidade para o crescimento e a redução da pobreza);
- Facilidades extraordinárias (facilidade de reserva suplementar e a linha de crédito contingente).
- Por fim, os DSE.
A função de
consulta é essencialmente exercida na preparação dos acordos
a celebrar com os países ou pode ser solicitada pelos países no apoio
a reformas dos seus sistemas financeiro e fiscal. Tem igualmente
expressão na reflexão teórica desenvolvida e publicada pelo FMI sobre
os desafios económicos e financeiros.
No
entanto, esta função poderá colidir com o dever do FMI de abstenção
de intervenção política, que decorre não directamente dos estatutos
mas dos seus princípios e da salvaguarda da sua credibilidade, obrigando
o fundo a um elevado rigor científico nas suas intervenções.
A reforma do FMI.
O
tema da reforma do FMI tem estado especialmente presente desde a década
de 1990, quando o fundo começou a disponibilizar ajuda a países num
valor superior ao das suas quotas e não para a superar os problemas
tradicionais com a sua balança de pagamentos mas problemas decorrentes
da liberalização dos mercados financeiros12.
O
FMI é uma organização essencialmente concebida para a resolução
de problemas de curto prazo relacionados com a balança de pagamentos
e para uma ordem monetária de câmbios estáveis à luz dos acordos
de Bretton Woods.Ora,
a ordem monetária do pós-guerra desapareceu dando início a uma era
de câmbios flexíveis e com a globalização financeira da década
de 1980 surgem novos desafios que ultrapassam o paradigma da balança
de pagamentos. Todavia, o fundo manteve-se o mesmo sem reformas institucionais,
apesar da sua reforma “invisível” ao privilegiar um modelo económico
neo-liberal e assente numa economia da oferta em detrimento do seu paradigma
inicial de uma economia da procura13.
Aliás, tem sido
o modelo económico usado para o apoio aos países em dificuldade mas
com resultados pouco consensuais e sujeitos a duras críticas tanto
por economistas de prestígio internacional, como Paul Krugman ou Joseph
Stiglitz, como por movimentos sociais anti-globalização14.Independentemente
das críticas ao modelo económico desenvolvido, pois essa é uma discussão
do fórum da ciência económica, a verdade é que o fundo é uma organização
concebida para uma realidade que já não existe. Como poderá funcionar
o FMI na nova ordem monetária internacional ou faz a sua existência
sentido nesta nova realidade?As
duas grandes linhas de reforma são as que apontam para a extinção
ou redução das atribuições do fundo15
e as que desejam um reforço do envolvimento do fundo nas questões
relacionadas com o desenvolvimento económico.Porém,
a linha que parece ser mais consensual é a que deseja a continuação
do FMI mas com uma profunda reforma institucional16.
Esta reforma teria como vértices a instituição de um executivo forte
em detrimento das reuniões informais das economias mais poderosas do
mundo, a redução da burocracia interna, a legitimação do executivo
com uma revisão profunda das quotas dos países membros e das maiorias
necessárias para cada votação e a necessidade de reequilibrar os
poderes dentro do fundo, onde oito Estados (EUA, Reino Unido, Japão,
França, Alemanha, Arábia Saudita, Rússia e China) têm 48,15% dos
votos contra 51,85% do resto do mundo.O
maior bloqueio a esta reforma tem sido protagonizado pelos EUA que não
deseja perder o poder que têm sobre o fundo, poder que utiliza para
impedir qualquer resolução de reforma, fazendo uso do seu poder de
veto nas votações que exigem 85% dos votos a favor.
Por
último, a reforma do FMI não poderá ser feita isoladamente,
terá sempre que ser concebida em conjunto com o Banco Mundial
ou a Organização Mundial do Comercio. Em face dos novos desafios do
mundo, talvez seja tempo de convocar uma nova conferência para estabelecer
uma nova ordem monetária (e económica) internacional.
1 Países que estiveram representados na conferência de Bretton Woods e que os governos aceitaram ser membros antes de 31 de Dezembro de 1945.
2 Os estatutos do FMI dividem expressamente os seus membros no Artigo II em “membros originários” e “outros membros”.
3 A consulta dos membros pode ser feita no sítio na Internet do FMI, http://www.imf.org/external/
4 Sobre o processo de fixação da quota cf. MORAIS, Luís D. S. (Org.) – ob. cit. pág. 211 a 213.
5 cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 284.
6 No sítio da Internet http://www.imf.org/external/
7 cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 277.
8 cf. Ibidem.
9 cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 278
10 cf. MORAIS, Luís D. S. (Org.) – ob. cit. pág. 168 e seg.
11 Para uma análise no âmbito da ciência económica cf. MEDEIROS, Eduardo Raposo de – ob. cit. pág. 520 e seg.
12 Esta discussão iniciou-se nos EUA em resultado da crise mexicana de 1994-95. cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 289 e seg.
13 cf. KRUGMAN, Paul – O Regresso da Economia da Depressão e a Crise Actual.4ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 2009. pág. 181 e seg.
14 As actuações muito criticadas do fundo são as intervenções na Ásia e na Rússia em 1997, no Brasil em 1998, na Argentina em 2001 e, mais recentemente, a impensável intervenção em países cuja moeda é o Euro – Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha?...
15 cf. STIGLITZ, Joseph E. – Globalização A Grande Desilusão. 3ª ed. ver. Lisboa: Terramar, 2004. pág. 290.
16 cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 295.
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