FERNANDO MORAIS GOMES
Nos dias que passam é corriqueiro e quase inevitável falar da
famigerada crise, não se passa sem ela, nos jornais, nos cafés, no emprego, no
parlamento, creio mesmo que se um dia porventura acabar a sensação de orfandade
será tão grande que se terá de arranjar logo outra se possível pior para pôr à
prova o nosso sadismo colectivo. Desde Alcácer Quibir que assim é, é endémico.
O certo é que vamos estando (aliás, em Portugal, país do gerúndio, não se vai, vai-se
andando...)
A idiossincrasia dos povos tem destas coisas, mas analisando
à lupa, a História encarrega-se de provar que apesar do fado nacional , sempre
soubemos domar os Adamastores, fossem eles
o grande e desconhecido Mar-Oceano ou os mais prosaicos e invisíveis
"mercados". Já vêm da época dos descobrimentos os velhos do Restelo,
contudo não deixámos de ousar lutar e ousar vencer, contra castelhanos,
terramotos, franceses, ditaduras, e afinal ainda cá estamos, o país mais antigo
da Europa e com as fronteiras mais estáveis, a 5ª língua mais falada em todo o
mundo, em 32º no ranking mundial de 194 países (com o detalhe de sermos dos
mais pobres entre os ricos, mas ainda assim no clube...).Ponha-se os olhos em
povos como o alemão, devastados por guerras que provocaram milhões de mortos e
destruição em massa e contudo sempre a renascer das cinzas. Temos sempre a tendência
para achar que a culpa é “deles”, os
que nos governam (porque se governam) mas “eles” somos nós, todos, no que temos
de bom e mau, como qualquer outro país. O pessimismo é como o auto-golo, só
serve para perder pontos.
Vem isto a propósito da responsabilidade que em minha opinião
têm certas elites e certa opinião publicada nos estados de alma que moldam o
carácter nacional dos portugueses. O pathos
nacional é marcado pelos vencidos da vida de várias gerações, desde o
conformado "ainda o apanhamos"
do Eça até essa peça sublime e igualmente derrotista que é a Mensagem, de
Pessoa. Obras belas, plástica e literariamente, mas hinos à descrença, à
resignação e ao fatalismo. Se olharmos com atenção, todos os grandes gurus
nacionais são-no na medida em que se assumem como profetas da desgraça, (os
optimistas chamam-lhes "visionários...).
Quanto mais baterem no ceguinho mais premiados e idolatrados, pois eles, premonitórios
é que viram para lá da nuvem. Um exemplo: a nossa cena de comentadores, os
ditos opinion makers. Quem são os mais
convidados e “respeitados”? Os que autofagicamente anunciam a “piolheira” do
país, os frustrados, os que querem ajustes de contas com os adversários ou
ex-amigos. Dê-se-lhes uma caneta ou um teclado e ei-los a zurzir inflamados a
desgraça nacional e o fado de ser português, o "isto só cá", como se todos soubessem em profundidade como é
exactamente "lá". Já Almada
dizia que o pior de Portugal eram os portugueses, e eles aplaudiram claro,
porque nunca é nada "connosco",
mas tudo com"eles".
Faça-se uma experiência: ouçamos um dia inteiro iluminados
como Medina Carreira, Vasco Pulido Valente, a equipa do Eixo do Mal
ou o inenarrável Mário Crespo, e, se não estiver deprimido e enterrado em whiskies veja qual o contributo positivo
destes profetas da desgraça para melhorar o estado de coisas, profetas da
desgraça depois da desgraça ocorrer, na onda do “estava-se mesmo a ver, eu
avisei”, mas entretanto nada viram e nada avisaram.
Entre nós, as veneradas elites pensadoras são sobretudo
faladoras, e sobretudo maldizentes, imensamente responsáveis pela degeneração
da ideia de Portugal, e pouco ou nada mudou desde a fuga de D. João VI para o
Brasil e o ciclo de declínio que endémico se seguiu. Porém, mal ou bem cá
vamos, e sobretudo, cá estamos, apesar de sermos o país que nasceu com o filho
a bater na mãe. Somos uma matriz da civilização ocidental e um berço de
culturas, (eu sei, cheira a discurso de 10 de Junho, mas é verdade!), O que
faria então se nos entendêssemos sobre as grandes questões, separando a árvore
da floresta e fazendo planos para a floresta.
Temos a particularidade de estarmos sempre desavindos uns com
os outros e desconfiarmos mais depressa de outro português do que do primeiro
estrangeiro desqualificado que nos metam na frente. Como aquele velho
anarquista que dizia: há governo? Sou contra!
Com crise ou sem crise, os povos não acabam, apesar de poder
suceder como nos vírus da gripe, com o tempo estes degenerarem noutros, com
novas roupagens e atitudes, e a geração que abriu o século XXI poder vir a sair
mal na fotografia da História. Mas depois do tempo, tempo vem, e um pouco de
azul sempre é melhor que o cinzento, apesar de pairar negro nos espíritos. Como
um dia disse o general De Gaulle, "o
fim da esperança é o começo da morte". E aos velhos do Restelo, uma
temporada nas termas não faria nada mal...
Bom texto! Força, confiança mútua entre nós, optimismo, capacidade de concretização. É preciso reler com urgência "A Arte de Ser Português", da Pascoaes.
ResponderEliminarE ver o mar azul a partir duma Casa Branca, não é Till?
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