Quem conheceu a criação artística
em Sintra há vinte anos, e conhece a actual, encontra diferenças assinaláveis,
desde logo na quantidade de intervenientes, assim como de projectos e de
público(s). Há vinte anos, na área de oferta artística, havia dois protagonistas
e públicos bem definidos (dentro do que é possível definir “público”): a Câmara
e as Sociedades Recreativas. O evento emblemático daquela era (e continua a
ser) o Festival de Sintra dirigido a um público iniciado, maioritariamente
vindo de fora de Sintra, enquanto as iniciativas das colectividades se dirigiam
(e ainda se dirigem) ao público local. A sazonalidade era (é) uma
característica comum.
Actualmente, a oferta das várias
disciplinas artísticas aumentou exponencialmente, tornou-se mais regular e mais
abrangente quanto aos públicos. Câmara e colectividades já não são os únicos núcleos
dinamizadores, novas estruturas de criação, espaços e criadores individuais, são
testemunho de uma vitalidade então desconhecida. Sintra deixou de ser só
paisagem natural e paisagem edificada.
No entanto, uma contradição que
se começou a desenhar com o advento de novos protagonistas culturais, nunca foi
resolvida: refiro-me à relação destes com o poder autárquico. Efectivamente o
Pelouro da Cultura cresceu (mais) em número de pessoas e (menos em) orçamento,
mas a conexidade entre a iniciativa municipal e a privada, oscilou (oscila)
entre a desconfiança e o apoio desarticulado. Pelo meio há um misto de indiferença
e tolerância paternalista.
Para mim, a questão central para um
potente impulso da actividade artística e cultural em Sintra, e por
consequência, para uma nova e desempoeirada política cultural, não está no lançamento
de novas iniciativas com objectivos sólidos, inovadores e com projecção
nacional e internacional, porque elas já existem, tanto com a chancela
municipal como privada. A questão está na articulação catalisadora e no fomento
do que já existe, assim como no desmontar (mais: no desactivar!) do complexo de
que só o que tem a chancela da Câmara é importante, tanto na divulgação, como
ainda na constituição das equipas (geralmente recrutadas ao sabor de interesses
instalados), como, por consequência, no orçamento. Mais: o responsável pelo Pelouro
da Cultura deve ter visão estratégica (a Cultura não é só a criação artística,
mas também o património, a museologia, etc), e peso político para estimular
esta articulação (que se deve estender a outros Pelouros), corrigindo as, por
vezes, escandalosas assimetrias orçamentais, e enfrentando “as castas”
instaladas no aparelho municipal.
Em forma de anedota, a questão
está espelhada nas dezenas de sinalizações que estão semeadas por todas as
entradas de Sintra, indicando o(s) caminho(s) para o Olga Cadaval; por outro
lado, os outros espaços onde se desenvolvem actividades culturais de iniciativa
privada, têm uma única placa a sinalizar, que fica quase em cima do edifício…
João de Mello Alvim.
1952.Vila Nova de Gaia. Actualmente espoliado como professor aposentado. Ex-jornalista
cultural, DN e TSF. Co-fundador e Director Artístico do Chão de Oliva. Adepto,
não fanático, do FCPorto.
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